A ação popular e a querela relativa aos direitos difusos
A ação popular
A ação popular está vertida no nº 3 do artigo 52º da CRP, o qual
enuncia o elenco dos domínios de proteção, nomeadamente, a saúde pública,
preservação do ambiente, património cultural, entre outros. O mesmo elenco de
interesses encontra-se previsto no artigo 1º da LAP. Já o número 2 do artigo 9º
do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, elenca os mesmos
interesses, mas acrescenta quem tem legitimidade para o fazer.
O objeto da ação popular é, antes de mais, a defesa de interesses
difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos
cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover,
individual ou associadamente, a defesa de tais interesses.[1]
Este instituto vem completar de uma forma sistemática o disposto
no artigo 20º e no artigo 268º/4 da CRP, garantindo uma tutela jurisdicional
efetiva, assegurando procedimentos judiciais que permitam uma defesa em tempo
útil das ameaças e violações dos direitos.
Segundo o Professor Regente VASCO PEREIRA DA SILVA, em
Portugal o que o legislador fez, quando fez a lei da ação popular – Lei nº
83/95, de 31 de agosto -, foi alargar a legitimidade em todos os processos, ao
invés de criar um processo próprio. E ao alargar a legitimidade em todos os
processos, aquilo que já se dizia na lei de ação popular e que se pede no
artigo 9º/2 do CPTA é algo que permite confundir a ação popular com a ação
jurídico-subjetiva. Porque o que se diz é o seguinte, intervir em processos principais
e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente
protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do
território, a qualidade de vida, o património do Estado, os bens do Estado, das
regiões autónomas e autarquias locais, desde logo isto corresponde aos tais
direitos fundamentais que podiam originar os tais interesses difusos ou os
direitos subjetivos.
Por norma, a ação popular tutela os interesses individuais, os interesses
coletivos homogéneos e os interesses difusos stricto sensu.
Neste aspeto é importante delimitar o objeto subjacente à ação
popular. Os interesses difusos reconduzem-se a um bem para a coletividade que,
como é divisível, não pode criar direito.
Nesta senda, diz-nos o Professor MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA que
os interesses difusos consubstanciam interesses da comunidade em geral, não
sendo suscetíveis de apropriação individual por qualquer um dos seus titulares,
pelo que consequentemente não existe contitularidade dos interesses difusos.
Segundo este autor, falamos de interesses que pertencem a todos, não
pertencendo a ninguém, pelo que tal leva a que a sua atribuição não possa ser
feita a ninguém em exclusivo.
O Professor JORGE MIRANDA, por sua vez, refere que se um
direito é divisível – e, portanto, de todos - este não pode ser aproveitado
individualmente.
Distintamente, surge a posição singular do Professor Regente
VASCO PEREIRA DA SILVA, para o qual os interesses difusos são verdadeiros
direitos fundamentais, consagrados na Constituição. O Professor distingue ainda
entre o bem público em si e a comissão desse bem público para os interesses
individuais, mas não deixa de os tomar como direitos. Por conseguinte, para
este, o particular é titular de direitos face ao Contencioso Administrativo, sendo
que o direito difuso e o direito legítimo para esta ação são todos direitos.
A evolução legislativa e as variadíssimas reformas administrativas
fizeram que com se desencadeasse o entendimento de que os particulares têm o
direito de se defender das atuações da Administração em certas matérias. Com
efeito, esta conceção mais dilatada da imagem do particular no Processo
Contencioso Administrativo advém da noção de que o particular é sujeito de
direito, designadamente porque tal se baseia na dignidade da pessoa humana. Nas
aulas teóricas do Professor, o mesmo afirmou que “Está previsto na Constituição
que o particular é o sujeito de direito e que o poder se baseia na dignidade da
pessoa humana, o que introduz esta dimensão subjetiva e isso aconteceu também
depois da constitucionalização do Direito Administrativo que, consequentemente,
implicou a lógica da relação jurídica administrativa porque, tradicionalmente,
o particular era um súbdito do Direito, expressão de Otto Mayer.”
Não obstante, conforme concluiu o Tribunal da Relação de Lisboa no
Acórdão 4-12-2018, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a admitir que todos
os sujeitos podem ser tutelados ao abrigo da ação popular, “afigurando-se
correta a asserção de que esta tem por objeto a tutela de interesses difusos latu
sensu”.
Bibliografia:
Aulas teóricas do Professor Vasco Pereira da Silva 2019/2020
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo
213/05.9BEFUN de 14.06.2018.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo
7074/15.8T8LSB.L1-1 de 4-12-2018.
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa,
17ª edição, Almedina, Coimbra, 2019.
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã
da Psicanálise – Ensaio sobre as Ações no Novo Processo Administrativo,
2ª edição, Almedina, Lisboa, 2016.
SOUSA,
Miguel Teixeira de, A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos,
Lex, Lisboa, 2003.
Sónia Duarte, nº57315
[1] Acórdão do
Tribunal Central Administrativo Sul, de 14-06-2018, Proc. Nº. 213/05.9BEFUN
(13294/16)
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