A aceitação do Ato Administrativo

 No presente artigo irei-me debruçar sobre a figura da aceitação do ato administrativo.
Esta figura vem prevista no artigo 56º do CPTA e a sua análise é relevante no sentido de que a sua natureza jurídica revela-se um ponto controvertido na doutrina portuguesa.
 
I.               Definição da Figura
 
Nos termos do artigo 56º/1 do CPTA não pode impugnar um ato administrativo com fundamento na sua mera anulabilidade quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado. 
 
Relativamente à aceitação expressa, esta é de fácil compreensão. Entretanto, a aceitação tácita que vem definida no número dois do preceito referido levanta algumas dúvidas.
Conforme explica a Doutoura Sandra Luís, a aceitação tácita não se basta com a prática de um simples fato incompátível com a vontade de impugnação do ato. Exige.se um comportamento do particular, do qual se deduz indiretamente uma manifestação de nota-se no sentido de acolher o determinado ato.
 
Em termos jurisprudenciais tem-se entendido que de forma a considerar a aceitação do ato perfeita é necessário que o particular tenha um conhecimento perfeito do conteúdo do ato e da sua eventual ilegalidade de forma a garantir que o particular conheça o conteúdo final do ato, aceitando-o de forma esclarecido, pelo que basta a mera possibilidade formal desse conhecimento.
 
Naturalmente a vontade manifestada pelo autor não pode estar ferida de vícios da vontade a que se refere os artigos 240º e seguintes do Código Civil.
 
II.             Natureza Jurídica
 
No entendimento de Rui Manchete a aceitação do ato é compreendida nos termos da legitimidade designadamente por estar inserida na subsecção referente à legitimidade. Consequentemente, adotando este entendimento a aceitação do ato é tida como um pressuposto processual, nomeadamente como um requisito negativo da legitimidade ativa face à perda do interesse pessoal e direito de impugnar.
 
Por seu turno, no entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva não cabe a visão de legitimidade mas sim da inexistência de um interesse de agir. Tal preceito define que, se alguém aceitar um ato, quer seja uma aceitação tácita quer seja expressa, não pode impugná-lo. Nesta sequência, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva pergunta o que é que se entende por aceitação expressa e o por aceitação tácita?
Ora, relativamente à aceitação tácita, esta deriva da prática espontânea e sem reserva de facto incompatível com a vontade de impugnar. É neste sentido que o Professor pergunta o que é este facto incompatível os a vontade de impugnar visto que a administração exerce direitos potestativos e, portanto, os atos produzem imediatamente efeitos jurídicos na esfera do particular.
 
A meu ver este último entendimento procede porque efetivamente suportar o ato administrativo é o que faz qualquer cidadão. O cidadão não tem aceitar ou deixar de aceitar, visto que os efeitos se produzem imediatamente na sua esfera jurídica. Não estamos perante um ato reptício.
Adotando esta linha de pensamento não cumpre defender a necessidade de criar um pressuposto processual.
Aliás, a legitimidade é uma situação particular que perante aquele ato que o lesa lhe permite ir a juízo , portanto, a aceitação do ato não se prende com a legitimidade.
Todavia, mesmo que admitíssemos este entendimento não seria necessário a criação de um pressuposto processual atípico porque se assim fosse, tal corresponderia ao pressuposto da falta de interesse processual, porque o particular que tinha interesse em impugnar vinha dizer que não tinha interesse em impugnar tal ato. Se esta orientação fosse válida seria enquadrada nos termos do artigo 39º e corresponderia ao pressuposto processual do interesse em agir.
No fundo, estando em decorrência o prazo para impugnação do ato no termos do artigo 58º CPTA, nada impede que o particular possa revogar tal declaração ou alterar o referido comportamento.
Por sua vez, não compete igualar a figura da aceitação do ato administrativo ao decurso do prazo de impugnação. Este último limita-se a estabelecer uma critério temporal e não prevê qualquer manifestação de vontade, configurando-se como uma figura essencial para o instituto da impunação mas que não implica qualquer aceitação ou conformação por parte do particular.
 
Em suma, a pedra de toque consiste em não admitir que existam factos incompatíveis com a vontade de impugnar, por estarmos perante direitos potestativos, em que a possibilidade de o particular impugnar um ato corresponde a um direito fundamental. O particular tem um direito fundamental de impugnação, que pode corresponder a direitos fundamentais que foram anteriormente alegados. Tais direitos são indisponíveis, pelo que mesmo que o particular aceitasse, nada impedia o Ministério Público de substituir do particular e de levar o processo a tribunal.


Ellem Santos, nº58539
 
 Bibliografia:
Silva,      Vasco Pereira da – O Contencioso Administrativo no Divã da      Psicanálise (Ensaios sobre as acções no Novo Processo Administrativo), 2ª      Edição, Almedina, 2009
Luís,      Sandra Lopes – A aceitação do acto administrativo: conceito,      fundamentos e efeitos, 2008


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Análise do Acórdão do STA de 10 de Setembro de 2020

O Regime Jurídico da Tutela Cautelar

Os contrainteressados - Relevância da figura no contencioso administrativo e o problma da determinação dos mesmos.