A Inconstitucionalidade da impugnação administrativa necessária

 

A Inconstitucionalidade da Impugnação Administrativa Necessária

 

De acordo com o Professor Mário Aroso de Almeida (doravante, MAA), “a impugnação jurisdicional de actos administrativos pode estar dependente da observância do ónus da prévia utilização, pelo impugnante, de vias de impugnação administrativa, como a Reclamação, o Recurso Hierárquico ou o Recuso Tutelar” (artigos 184. º, ss do CPA).

 

De facto, antes da reforma constitucional de 2004, a impugnação necessária era uma via de acesso à impugnação contenciosa. Contudo, com o desaparecimento desta realidade, extinguiu-se também este pressuposto processual, por respeito à Constituição da Republica Portuguesa. Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva (doravante, VPS), aquela exigência consubstancia numa manifestação dos traumas da infância difícil do Contencioso Administrativo, enquanto resquício dos tempos do administrador-juiz.

Atualmente, o CPTA não exige, em termos gerais, que os actos administrativos tenham sido objecto de uma prévia impugnação administrativa para poderem ser impugnados nos tribunais administrativos, como decorre dos artigos 51.º e 59.º/4 e 5 do CPTA. Ou seja, a evolução terá sido no sentido da dispensa desta impugnação como requisito de verificação do interesse em agir, visto que “não é necessário, para haver interesse processual no recurso à impugnação perante tribunais administrativos, que o autor demonstre ter tentado infrutiferamente obter a remoção do acto que considera ilegal por via extrajudicial.”

A revisão constitucional de 2015, no quadro do Código de Procedimento Administrativo e do CPTA, veio alterar de novo esta realidade. Foi introduzida uma regra no CPA, art. 3º do DL nº 4/2015, de 7 de Janeiro que estabelece a possibilidade de certas leis especiais, leis avulsas, exigirem o recurso hierárquico necessário, desde que respeitem determinados requisitos. O que, à partida, parece implicar a reintrodução daquele pressuposto processual. Daqui resulta que o artigo 185º/2 do CPA tem apenas aplicação para o futuro.

 

Desde logo, o Prof. VPS assinala a irrelevância desta alteração, na medida em que esta matéria (pressupostos processuais do processo nos tribunais administrativos) deve ser regulada, não no CPA, mas antes no CPTA, pelo que terá sido uma opção do legislador a não consagração desta regra no mesmo, excluindo-o, assim, como pressuposto processual. De facto, o afastamento da regra geral implica o correlativo afastamento de todas as normas avulsas especiais, que a confirmavam. Se não pode, por imposição constitucional, ser um pressuposto processual ou condição de impugnação, não se deve reconhecer consequências contenciosas às normas que o prevêem.

Assim, o Prof. VPS argumenta no sentido da inconstitucionalidade do ónus de impugnação administrativa necessária com base em quatro argumentos essenciais:

- Em primeiro lugar, viola o princípio constitucional da plenitude dos direitos dos particulares, explanado no art. 268º/4 da CRP, que proíbe a limitação do direito fundamental pleno de recurso hierárquico por quaisquer garantias administrativas;

- Em segundo lugar, viola o princípio da separação de poderes, na vertente da desconcentração administrativa, no sentido em que esta função recai nas competências dos órgãos jurisdicionais, por forca do artigo 267º/2 da CRP;

- Em terceiro lugar, viola o princípio constitucional da separação entre administração e justiça, sustentado nos artigos 114º, 205º e 266º da CRP, na medida em que uma actuação administração condiciona o acesso aos tribunais e, por conseguinte, à justiça.

- Por último, viola o princípio da efectividade da tutela jurisdicional devido ao efeito preclusiva da impugnabilidade da decisão administrativa, que reduzirá o prazo de impugnação do acto administrativo podendo, na verdade, levar à inutilização da possibilidade do exercício do direito.

 

Em contrapartida, o Prof. MAA procede a uma interpretação restritiva deste regime jurídico, argumentando que o disposto no CPTA, nos seus artigos 51º/1, 59º/4 e 5, não tem o alcance de afastar as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias. Sustenta esta posição na perspectiva de que, se está expressamente previsto numa certa lei que a impugnação administrativa prévia é necessária, tal resulta de uma opção consciente e deliberada do legislador nesse sentido. Assim, nestes casos, será um verdadeiro pressuposto processual da impugnabilidade administrativa, ainda que adicional ou atípico, e ainda que contenda com as disposições constitucionais (na opinião do Prof. VPA).

A favor da posição do Prof. MAA, temos o argumento de que, de facto, ao impor esta fase como condição de impugnação contenciosa, evitaríamos alguma da sobrecarga de que os tribunais administrativos sofrem, com acções desnecessárias. Contudo, a evolução constitucional aponta no sentido de que cabe à competência jurisdicional administrativa julgar as actuações da administração, afastando o modelo administrador-juiz, como corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Nesse sentido, e com o Prof. VPS, devem revogar-se expressamente todas as disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário, procedendo-se à generalização da regra que atribui efeito suspensivo a todas as garantias administrativas.

 

Bibliografia:

·         VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª Edição, 2009, Almedina

·         MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 3ª Edição, 2017, Almedina

 

Manuel Zagalo Oliveira , 58270

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