A legitimidade ativa no contencioso pré-contratual

 

O contencioso pré-contratual, que constitui uma das modalidades de processos principais urgentes, é regulado pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos nos seus artigos 100º a 103º.

Simplificadamente, o contencioso pré-contratual é um meio processual principal que, através de uma tramitação mais simplificada e de encurtamento de prazos processuais, obtém uma decisão de fundo sobre o mérito da causa. Através deste meio impugnam-se quaisquer atos administrativos relativos à formação de contratos (art.º 100º/1 e 2 CPTA) e, ainda, “documentos conformadores do procedimento” (art.º 103º/1 CPTA), que incluem o programa de concurso, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formação do contrato, designadamente com fundamento na ilegalidade de especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem desses documentos.

O que se pretende analisar é a delimitação da legitimidade ativa na impugnação dos documentos conformadores do procedimento, nos termos atrás referidos (art.º 103º/1 CPTA).

Porém, importa em primeiro lugar que o art.º 100º/1 CPTA remete para os art.º 50 a 65º CPTA, o que significa que a legitimidade para propor um processo de contencioso pré-contratual se rege pelo regime específico destes artigos: tem legitimidade quem alegue a titularidade de um interesse direto e pessoal na anulação do ato.

Posto isto, pode concluir-se, numa primeira aproximação, que goza de legitimidade ativa para impugnar normas contidas nas peças de um determinado procedimento pré-contratual quem demonstre ter um interesse pessoal e direto no afastamento dessas normas. Estabelece o artigo 103º nº 2 que o “pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido por quem participe ou tenha interesse em participar no procedimento em causa”.

Assim, goza de legitimidade ativa para impugnar normas contidas nas peças de um certo procedimento pré-contratual quem demonstre ter um interesse pessoal e direto no afastamento dessas normas. É neste sentido que o art.º 103º/2 CPTA estabelece que o “pedido de declaração de ilegalidade pode ser deduzido por quem participe ou tenha interesse em participar no procedimento em causa”.

A questão que se colocava antes da revisão de 2015 era se a impugnação destas normas procedimentais dependeria da circunstância de o impugnante ter ou não apresentado candidatura ou proposta no procedimento pré-contratual, uma vez que ao abrigo do antigo artigo 100º nº 2 CPTA numa primeira leitura, poderia ser entendido que este não seria aplicável a quem não participou no procedimento pré-contratual.

Ora, no entendimento de Marco Caldeira, é manifesto que este meio impugnatório foi instituído para permitir a reação contenciosa dos interessados que, por força da ilegalidade das normas procedimentais, se veem impedidos de apresentar candidatura ou proposta no procedimento.

Do exposto resulta que teriam legitimidade ativa quem de algum modo foi lesado pela aprovação e aplicação das normas, não relevando a distinção entre quem participou no procedimento ou não, uma vez que a não participação no procedimento poderia decorrer da ilegalidade da norma que teria permitido ao interessado a sua participação.

O atual e já referido artigo 103º nº2 dispõe expressamente que “o pedido de declaração de ilegalidade (dos documentos conformadores do procedimento) pode ser deduzido por quem participe ou tenha interesse em participar no procedimento em causa”.

Bibliografia:

Aroso de Almeida, Mário, “Manual de Processo Administrativo “, 2ª edição, Almedina, 2016.

Caldeira, Marco, Da legitimidade ativa no contencioso pré-contratual – em especial, os pedidos impugnatórios baseados na ilegalidade das peças procedimentais”, in Revista do Ministério Público, Ano 34, n.º 134, Abril/Junho de 2013.


Joana Órfão

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