Acórdão STA
Acórdão STA
No acórdão do
Supremo Tribunal Administrativo, alvo de comentário nesta exposição, foi
proposta uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra
a Presidência do Conselho de Ministros cujo pedido incidia na “declaração de inconstitucionalidade, com efeitos
circunscritos a si, das normas proibitivas de ajuntamentos retiradas da
conjugação dos pontos 1, 2 e 8 da Resolução do Conselho de Ministros n.º
55-A/2020 e ainda a que se encontra no art. 15.º do Anexo àquela Resolução e,
bem assim, de quaisquer normas análogas que viessem a ser aprovadas por
renovação do conteúdo da mencionada Resolução” e ainda na “condenação
da Presidência do Conselho de Ministros a exercer a sua competência
relativamente às forças policiais e demais autoridades públicas no sentido de
não impedirem o Requerente e as pessoas que com ele venham a estar reunidas de
exercer plenamente a sua liberdade jusfundamental de reunião.
Ficou
estabelecido, no sumário, nos seus dois primeiros pontos:
“I - A declaração de ilegalidade de normas imediatamente operativas com efeitos
circunscritos ao caso concreto pode ter como fundamento a violação de normas e
princípios constitucionais, sobretudo se esse pedido visa a desaplicação ao
requerente de uma medida proibitiva no âmbito de um processo urgente de
intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias;
II - A apreciação dos pressupostos processuais no âmbito da intimação para a
proteção de direitos, liberdades e garantias tem de atentar nas especiais
características deste meio processual enquanto instrumento, entre nós, de
obtenção de amparo constitucional;”
Sendo
assim, cabe analisar, apenas, estes dois pontos.
No
que concerne ao primeiro ponto, a “declaração
de ilegalidade de normas imediatamente operativas com efeitos circunscritos ao
caso concreto” das normas proibitivas de ajuntamentos resultantes de uma
Resolução do Conselho de Ministros, o STA considerou que é permitida com
fundamento na “violação de normas e princípios constitucionais, sobretudo se
esse pedido visa a desaplicação ao requerente de uma medida proibitiva no
âmbito de um processo urgente de intimação para a proteção de direitos,
liberdades e garantias”. De forma a distinguir as normas imediatamente
operativas das normas cujos efeitos não se produzam imediatamente, basta reter
a ideia de que as normas cujos efeitos se produzem imediatamente são aquelas
que não vão depender de um ato administrativo ou jurisdicional para produzirem
os seus efeitos. Por outro lado, aquelas cujos efeitos não se produzem de
imediato vão carecer de um ato concreto que lhes conceda aplicação.
Quanto à produção de efeitos ao caso concreto, o número 2 do artigo 73º do
CPTA, prevê que “Quem seja diretamente prejudicado ou possa
vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo pela aplicação de norma
imediatamente operativa que incorra em qualquer dos fundamentos de ilegalidade
previstos no n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa pode
obter a desaplicação da norma, pedindo a declaração da sua ilegalidade com
efeitos circunscritos ao seu caso” o que
demonstra que numa primeira análise esta hipótese é possível. O conceito de
ilegalidade, como conceito amplo, abrange a inconstitucionalidade tal como ela
é requerida pelo autor no nosso acórdão. No entanto, a declaração de
inconstitucionalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto e decidida
pelo STA pode ser criticada. Vejamos, de acordo com o artigo 280º da CRP e com
alguns artigos da lei do Tribunal Constitucional. Nos termos do artigo 6º da
lei do Tribunal Constitucional “Compete ao Tribunal Constitucional apreciar
a inconstitucionalidade e a ilegalidade nos termos dos artigos 277.º e
seguintes da Constituição e nos da presente lei.” no caso a declaração de
ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto equivale à situação
prevista na aliena a) no 280º da CRP e na alínea a) do artigo 70º da lei do Tribunal
Constitucional que prevê que tem recurso ao Tribunal Constitucional as
situações “Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em
inconstitucionalidade”. Portanto, devemos considerar que o STA tem competência
para decidir do mérito da causa, no entanto, deve ser salvaguardado ao TC uma
última decisão cujo conteúdo dirá a decisão definitiva. Deste modo, acabamos
por articular a jurisdição entre o STA e o TC.
No número 2 do artigo 73º do CPTA ainda se considera que os
particulares têm a possibilidade de os particulares de recorrem ao tribunal
quando esteja em causa qualquer dos fundamentos de ilegalidade previstos no n.º
1 do artigo 281.º da CRP. No caso em análise é possível invocar, neste artigo a
alínea b) cujo conteúdo preceitua “A ilegalidade de quaisquer normas
constantes de ato legislativo com fundamento em violação de lei com valor
reforçado;” sendo claro que a CRP
constitui uma lei de valor de reforçado e o autor invoca a violação de normas e
princípios constitucionais.
Quanto ao segundo ponto, implica fazer uma análise do tipo de ação
em causa. Estamos num caso em que foi interposta uma intimação de proteção de
direitos, liberdades e garantias que, nos termos da alínea d) do número 1 do
artigo 36º do CPTA segue a forma de processo urgente. Esta ação encontra-se
especialmente prevista no artigo 109º e seguintes do CPTA constituindo um meio
processual principal e autónomo que tem como principal objetivo a obtenção de
uma decisão de uma forma mais rápida de forma a ser tutelada a situação
jurídica do particular. De acordo com o Professor Mário Aroso de Almeida esta
intimação ainda que, a priori, pareça limitar-se aos direitos, liberdades e garantias do número 5 do artigo 20º da CRP
será de aplicar também nos casos de proteção de qualquer direito e liberdade
análoga nos termos do 17º da CRP. A intimação deve, ainda, obedecer a um
requisito de objetivo: subsidiariedade. Esta questão encontra-se prevista no
número 1 o artigo 109º do CPTA e considera a relação de subsidiariedade
em relação às providencias cautelares (tutela cautelar), isto porque,
basicamente, tem de estar em causa uma situação que exijam por definição o
proferimento de uma decisão de mérito principal uma vez que os processos
urgentes são principais enquanto as providências cautelares não o são. Segundo Isabel Celeste Fonseca, este
requisito deve ser aferido no caso concreto, através de um juízo de prognose.
As situações em que deverá haver recurso ao processo de Intimação são aquelas
que “(...) i) são de natureza improrrogável, que reivindica uma composição
jurisdicional inadiável; ii) têm uma natureza que não se compadece com a
provisoriedade jurisdicional e que obriga o juiz a pronunciar-se de modo
definitivo. Definitivo, no sentido de solução fatal, já que ela matará a
utilidade posterior de qualquer sentença de mérito que vier a ser emitida no
âmbito de um processo principal que conheça sobre essa situação, de modo mais
profundo …”.
No
nosso acórdão parece-me pela exposição inicial relativa aos pedidos que a única
forma de a requerente ver os seus direitos tutelados seria apenas pelo recurso
a uma intimação de proteção de direitos, liberdades e garantias já que a
Resolução do Conselho de Ministros nº 55-A/2020 que impõe regras de
distanciamento e proibições de ajuntamentos tem natureza de duração limitada e
apenas se manterá no período decretado. Logo, caso não houvesse aqui uma
decisão definitiva e principal a situação jurídica do particular a tutelar
poderia estar em causa. Aqui, a providência cautelar, seria manifestamente desnecessária
e até incapaz de proteger o particular.
Relativamente à
parte final deste ponto do sumário o recurso de amparo constitucional é um
mecanismo permite a um particular sindicar a violação dos seus direitos e
liberdades fundamentais. Funciona, então, como uma última hipótese de proteção
de direitos fundamentais perante o Tribunal Constitucional, na hipótese de
estes não terem sido suficientemente protegidos pela justiça comum levada a
cabo por todos os outros tribunais. Efetivamente, nas revisões Constitucionais
de 1989, 1997 e 2004 pretendeu-se constitucionalizar uma ação direta de
controlo da constitucionalidade para a defesa de direitos, liberdades e
garantias. A introdução de um recurso de amparo
constitucional implicaria uma alteração à Constituição, que teria de
compatibilizar-se com algumas peculiaridades da nossa fiscalização concreta da
constitucionalidade em especial por os julgamentos de inconstitucionalidade em
sede desta fiscalização terem meros efeitos entre as partes processuais e não,
efeitos para toda a comunidade jurídica. A defesa deste mecanismo tem apoio na
doutrina constitucional portuguesa como o Professor Jorge Miranda. Os
principais receios na introdução de um recurso de amparo foram, entre outros, o
surgimento de atritos com os supremos tribunais ordinários (Supremo Tribunal de
Justiça e Supremo Tribunal Administrativo) e o perigo de entupimento do
Tribunal Constitucional com processos.
Assim, a títulos conclusivo, quanto ao primeiro ao ponto será
de reconhecer a jurisdição do STA e não dar seguimento à contestação do Governo
que considera que a sua ausência. Deve haver nestes casos de
inconstitucionalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto uma articulação
entre a jurisdição do STA e do TC já que ao STA cabem as situações com efeitos
circunscritos ao caso concreto e ao TC as declarações de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral. A jurisdição do TC não fica afetada já que se o
STA reconhece a existência de um vicio deste teor o mais provável é a questão
ser alvo de recurso para o TC, caso contrário estaríamos a admitir a vigência
de normas inconstitucionais. Quanto ao segundo, o STA neste ponto considerou que “(…) faria sempre todo o sentido antecipar a tutela de mérito e resolver de
forma imediata o litígio.”, sendo
esta a solução mais indicada e a única possível a resolver a questão e não tem
qualquer cabimento a contestação do governo ao referir a “impropriedade do
meio processual”.
Caetana Pinto Basto | Subturma 3 |
58279
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