ANÁLISE ACÓRDÃO

 Análise Acórdão



INTRODUÇÃO E SÍNTESE DO ACÓRDÃO

Dado o contexto de pandemia que vivemos, foi publicado um conjunto de medidas (Resolução do Conselho de Ministros n.º 55-A/2020 publicada no Diário da República n.º 148/2020, 1.º Suplemento, Série I de 31 de Julho de 2020) com o intuito de conter a propagação do vírus em Portugal - Mais concretamente, nos Concelhos com maiores níveis de contágio. Entre as medidas que aqui constavam, estava a proibição de ajuntamentos com 10 ou 20 pessoas.

Publicada a resolução, foi intentada uma intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, no Supremo Tribunal Administrativo (109º e seguintes do CPTA), contra a Presidência do Conselho de Ministros, sendo pedida a declaração de inconstitucionalidade das normas que constam dos pontos 1,2 e 8 da referida resolução e ainda do art. 15º em anexo àquela e de quaisquer normas semelhantes que pudessem vir a ser aprovadas. O requerente invoca, para tal, a violação do direito fundamental a participar em “reuniões, jantares, tertúlias, sessões lúdicas ou piqueniques” com amigos ou familiares. Pretendendo ainda que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade destas normas fossem circunscritos si mesmo.

 Posto isto, a defesa por exceção da Presidência do Conselho de Ministros baseou-se na falta de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, a ilegitimidade passiva da PCM, a impropriedade do meio processual, a incompetência hierárquica do STA e, ainda, a conformidade constitucional das normas em questão.

 

Análise

Como já mencionei, a PCM invocou em primeiro lugar a falta de jurisdição dos Tribunais administrativos e fiscais para apreciação destas matérias. O seu argumento foi o de que o pedido formulado de declaração de ilegalidade por inconstitucionalidade da norma com efeitos pessoais não podia ser admitido por haver aqui uma violação da jurisdição constitucional. Contudo, e como decidiu depois o STA, o requerente não pretendia declaração de inconstitucionalidade da norma com força obrigatória geral – só se tal se verificasse é que estaríamos perante uma verdadeira violação da jurisdição constitucional. O que, de facto, sucedeu, foi que o requerente apensa pediu que as normas referidas se desaplicassem a si mesmo. Deste modo, não posso deixar de concordar com o STA quando refere que aquele pedido seria, aliás, a única via processual que o autor dispunha para assegurar o disposto no 268º/5 da CRP.

Quanto à ilegitimidade passiva, também invocada pela requerida. Neste caso, quem realizou a resolução foi o Conselho de Ministros e não a PCM – devendo, por isso, ter sido aquela demandada. O que o STA vem argumentar, em defesa do argumento da PCM, é que não podia ser aceite a legitimidade passiva desta uma vez que ela não é elemento integrante nem se confunde com o CM. Pode-se, contudo, contra-argumentar, e a meu ver faria sentido, que tendo em conta este ser um processo urgente (o que pede, na medida do permitido, alguma simplificação processual) e o facto de que tanto o CM e a PCM prestam apoio ao Governo e são departamentos próximos nesse sentido podia fazer sentido que se ultrapassasse esta formalidade e podendo até convidar a parte a sanar tal “erro”. Assim, mesmo que se considere que havia, de facto, ilegitimidade passiva (porque havia), o Juiz podia à luz da gestão processual tentar tornar o processo mais célere.

Relativamente à impropriedade do meio. Sendo a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias um processo urgente (nos termos do 36º/1 al. d)), estando por isso previsto para que, em ações como esta, se possa obter uma sentença em tempo útil. Parece-me, contrariamente à PCM, que este seria o meio mais adequado para obter a tutela do requerente, uma vez que este considerava estarem a ser lesados, liberdades e garantias. Pelo contrário, se o requerente tivesse escolhido uma providência cautelar (112ºss CPTA) apenas obteria uma tutela provisória, tornando depois a ação principal inútil (pois as medidas eram elas mesmas provisórias e na altura da ação principal já nem estariam em vigor).

Por último, quanto à incompetência do STA. O próprio STA considera improcedente esta alegação uma vez que, mesmo que à luz do 24º, 37º e 44º ETAF fosse o Tribunal Admin. De Circulo competente, o artigo 21º/1 do CPTA permite ao STA considerar-se competente para conhecer ambos os pedidos. Não faria assim qualquer sentido exigir-se duas competências para o mesmo processo.


Finalmente, quanto aos dois primeiros pontos do sumário. Relativamente aos “efeitos circunscritos ao caso concreto”, cabe analisar o 73º/2 que parece considerar esta a ilegalidade com força obrigatória geral a melhor opção para o Autor. Contudo, neste caso, seria dificilmente aplicável apenas ao caso concreto a decisão de inconstitucionalidade das normas (incorrendo na situação do 280ºa) da CRP). Acabaríamos por ter uma multiplicidade de pedidos idênticos a este que fariam com que as normas se deixassem de aplicar a esses requerentes, mas não aos demais. Quanto à ação em causa referida no segundo ponto do sumário, e como já referi brevemente, estávamos perante uma ação de proteção de direitos, liberdades e garantias que comporta a forma de processo urgente nos termos do 36º/1 d) do CPTA. De acordo com o Professor Mário Aroso de Almeida esta ação é aplicável em todos os casos de proteção de quaisquer direitos e liberdades análogas aos previstos no 20º/5 CRP, segundo o 17ºCRP.
Daí que, e como também já referi, o STA tenha considerado próprio este meio, uma vez que era a única forma do Requerente obter a tutela pretendida e não sendo uma providência cautelar apta a tal (como expliquei supra).

 

Manuel Zagalo Oliveira, 58270

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