Análise do Ac. 088/20.8BALSB, no que concerne aos pontos relativos ao Contencioso Administrativo - Carolina Nabais

 Análise do Ac. 088/20.8BALSB, no que concerne aos pontos relativos ao Contencioso Administrativo

I.              Competência do STA para reconhecer a ação de intimação de proteção de direitos liberdades e garantias.

A intimação está subordinada ao limite constitucional relativo ao critério da pessoalidade do direito.

A intimação para a proteção de direitos liberdades e garantias configura-se como o instrumento concretizador da tutela conferida no artigo 20º/5 CRP. 

Como limite à tutela destes direitos está inerente a individualização do interesse, ou seja, sendo este um direito de natureza pessoal pressupõe-se que a tutela diga apenas respeito ao seu titular.

Por esta razão quando o pedido em causa tem como objeto a “declaração de inconstitucionalidade com efeitos pessoais ou circunscritos ao caso concreto” este encontra-se em conformidade com os limites impostos pelo legislador constitucional no artigo 20º/5 CRP, não estando, por isso, em causa qualquer declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (essa sim reservada ao Tribunal Constitucional nos termos dos artigos 281º e 282º CRP). 

No caso concreto o requerente não peticiona a não aplicação geral da norma proibitiva de ajuntamentos de pessoas na via pública, mas sim, apenas que esta não se aplique à sua situação por considerar que viola o seu direito fundamental de reunião, constitucionalmente consagrado.

É, pelas razões acima expostas, que o tribunal, no caso concreto, acaba por considerar competente a jurisdição administrativa, mas propriamente, o Supremo Tribunal Administrativo. 

Estamos perante uma norma imediatamente operativa que lesa um direito fundamental de natureza pessoal cuja sua não aplicação se mostra urgente, cabendo à jurisdição administrativa a apreciação desta desaplicação circunscrita ao caso concreto, desde que se mostre a posição subjetiva claramente identificada.

II.             Suposta ilegitimidade passiva da presidência do Conselho de Ministros

Nos termos do artigo 10º/1 e 10º/2 CPTA quem caberia legitimidade passiva seria “pessoa coletiva e não a um órgão que dela faça parte”, que, neste caso, poderia dar aso a uma exceção dilatória e à consequente absolvição da instância.

Na situação que no ocupa o demandado deveria ter sido o Conselho de Ministros e não a Presidência do Conselho de Ministros, pois é o aquele o autor da resolução que a demandante invoca como ilegal. 

De notar que não integram sequer o mesmo órgão, pois o Conselho de Ministros integra o Governo.

Contudo, legislador introduziu o CPTA, em 2015, o preceituado no artigo 7º-A concedendo ao juiz poderes de gestão processual de modo a tornar o processo o mais célere possível e, por isso mesmo, o objeto processual configurado pelas partes não obsta a que o juiz tome decisões de modo a suprir obstáculos que poderiam obstar ao mérito da causa.

Atendendo ao carater urgente do processo em questão pode compreender-se o exercício destes poderes de gestão processual por parte do juiz, pois o que se pretende é assegurar o efeito útil da decisão.

Na efetivação deste poder de gestão concedido ao juiz haverá que atender aos “princípios do favorecimento do processo, da colaboração do juiz e da justiça material” e, por isso mesmo, justifica-se, por parte do tribunal, a desconsideração desta exceção, não só pela relação intima e intersubjectiva institucional existente entre a Presidência do Conselho de Ministros e o Conselho de Ministros, mas também pela natureza urgente do processo, não se mostra razoável do ponto de vista de celeridade processual notificar o Requente para proceder à correta identificação do Requerido. Tal iria contra o intuito do mecanismo em causa, que é a tutela urgente do direito que pretende acautelar. No caso concreto, estando bem delimitada a pretensão de Requerente, considera-se que o juiz poderá considerar irrelevante o pressuposto processual em causa. 

III.           Impropriedade do meio processual para a formulação do primeiro pedido 

A ação de intimação para a proteção de direitos liberdades e garantias constitui um processo principal e autónomo e não um procedimento cautelar (que se apresenta como acessório ao processo principal), ainda que seja subsidiária em relação a este.

Para que tal ação proceda é necessário que se verifique a impossibilidade de recorrer a outros meios de tutela jurisdicional que permitam ao juiz pronunciar-se sobre o fundo da questão em causa. O juiz terá de indagar se, de facto, a proteção do direito em causa não poderia ser realizar através do provimento de uma providência cautelar, pois, mesmo que o Requerente possa posteriormente exercer o direito agora cerceado não irá obter o resultado pretendido no momento da apresentação da ação principal. 

Por outro lado, também haverá que atender à indispensabilidade da intimação para assegurar a proteção do direito em causa em tempo útil. O juiz avaliará casuisticamente este pressuposto cabendo ao Requerente demonstrar ao tribunal que, só a procedência do pedido de intimação, irá tutelar o direito em causa. O Requerente deverá demonstrar que, se a ação não proceder, estará em causa a perda irreversível da faculdade de exercício do direito objeto da intimação, devido à sua violação, durante um lapso temporal determinado, sendo que o decretamento provisório da sua tutela através de uma providência  cautelar não seria suficientemente eficaz para tutelar o direito em causa. Devido às limitações de carater temporal o Requerente deverá demonstrar ao juiz que apenas a decisão de mérito se mostra adequada à tutela do seu direito.

Ainda no que concerne ao facto de estarmos perante um direito fundamental de exercício coletivo, como é o direito de reunião, este não se apresenta como um problema pois, apesar da decisão de mérito acerca da desaplicação da norma ao Requerente se mostrar, em última análise, inútil, no caso concreto apenas cabe ao Juiz averiguar a pretensão que lhe é dirigida, verificando se, no caso, existe, ou não, violação do direito invocado.

IV.          Incompetência hierárquica do Supremo Tribunal Administrativo para julgar o pedido de condenação da Presidência do Conselho de Ministros i. e. “a exercer a sua competência relativamente às forças policiais e demais autoridades públicas no sentido de não impedirem o Requerido e as pessoas que com ele estejam reunidas de exercer plenamente a sua liberdade jusfundamental de reunião” 

Relativamente ao segundo pedido e à possível incompetência do STA para o conhecimento do mesmo, tal não se afigurava problemático pois, nos termos do artigo 21º/1 CPTA, aquele Tribunal teria competência para o efeito dado estarmos perante uma situação de cumulação de pedidos em que o tribunal superior, tendo competência para tomar conhecimento de um  deles, nos termos do citado artigo, tem  competência para o tomar conhecimento dos restantes.

V.            Inviabilidade ou inutilidade do segundo pedido

No que respeita ao segundo pedido apresentam-se duas questões relativas ao mesmo; em primeiro lugar, sendo requerido como pretensão autónoma, não teria qualquer viabilidade no processo por se considerar excessivo e inapto.  

Em segundo lugar mesmo que este pedido tenha como objetivo que os “ órgãos de polícia e as demais autoridades fiquem impedidas de aplicar, relativamente a si e aos restantes membros dessas reuniões, as regras de proibição de limite de participantes em ajuntamentos que constam das normas impugnadas, nos estritos do que viesse a ser determinado no âmbito do julgamento do primeiro pedido” então o tribunal considera que o pedido em causa será inútil.

Ora, a sentença proferida, nos termos do artigo 111º/3 CPTA, deverá determinar o comportamento a adotar, assim como o seu destinatário, nos termos no nº 4 do mesmo artigo deverá ser notificado para o cumprimento, isto é, a sentença deverá prever a conduta precisa a adotar pela entidade requerida, na pessoa do titular do órgão responsável. E, por isso mesmo, caso o tribunal desse como procedente o pedido relativo à ação de intimação, a correspetiva sentença teria o mesmo conteúdo do segundo pedido o que o torna inútil. 

Bibliografia: 

AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, 3ª edição

Carla Amado Gomes, «Pretexto, contexto e texto da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias», 2003

 

Carla Amado Gomes, «Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias», in Revista do Ministério Público, nº 104, 2005.

 

Catarina Santos Botelho, «A intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias – Quid novum?», in O Direito, Ano 143, I, 2011

 

Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., 2010.

 

Carolina Nabais nº58573 

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