Análise do Acórdão do STA de 10 de Setembro de 2020

 Análise do Acórdão do STA de 10 de Setembro de 2020

 

O acórdão em questão fala-nos da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias/declaração de ilegalidade de normas/Estado de Emergência/saúde pública. A grande questão centra-se no artigo 73º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) devido ao facto de a Requerente ter pedido uma intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias com efeitos pessoais. 

 

O ponto I e II do sumário referem a declaração de ilegalidade de normas imediatamente operativas com efeitos circunscritos ao caso concreto.

 

Relativamente ao primeiro ponto do sumário, o Autor requer a “declaração de ilegalidade de normas imediatamente operativas com efeitos circunscritos ao caso concreto pode ter como fundamento a violação de normas e princípios constitucionais, sobretudo se esse pedido visa a desaplicação ao requerente de uma medida proibitiva no âmbito de um processo urgente de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.

Cumpre explanar o que se retira de “normas imediatamente imperativas”. Estas são as que, para produzir os seus efeitos, não necessitam de um ato administrativo ou jurisdicional. 

Cumpre ainda, para além disto, discutir a questão de o pedido ser feito com efeitos circunscritos ao caso concreto. Temos de analisar o artigo 73º/2 do CPTA. Segundo este artigo, o autor invoca a inconstitucionalidade da norma impugnada e os tribunais declaram que a norma é ilegal, com efeitos circunscritos à situação do interessado, subtraindo-o ao seu âmbito de aplicação. O professor Vasco Pereira da Silva, no entanto, refere que “não faz sentido que um processo destinado a apreciar a legalidade de um regulamento, a título principal, tenha como resultado, verificada a existência dessa invalidade, uma declaração de ilegalidade de uma norma geral e/ou abstrata, mas que só vale para aquele caso concreto.”O conceito de “caso concreto” não é claro – se for um ator popular a defender a legalidade sem possuir interesse direto na demanda, a lei equipara-o ao particular para efeito de aplicação deste regime. 

 

Quanto ao segundo ponto do sumário, este consiste na apreciação dos pressupostos processuais no âmbito da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias tem de atentar nas especiais características deste meio processual enquanto instrumento de obtenção de amparo constitucional.

 

A Requerente intentou no Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do artigo 24º/1/iii), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e nos termos dos artigos 109º e ss do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), uma intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias. Esta, é um tipo de processo urgente (art 109º a 111º). Resulta e concretiza o artigo 20º/5 CRP, mas é uma forma de processo mais alargado e que pode ser utilizado em todo o tipo de defesa, não só a pessoal.  A Intimação foi contra a Presidência do Conselho de Ministros. A (....) pediu: (i) declaração de inconstitucionalidade, com efeitos circunscritos a si, das normas proibitivas de ajuntamentos retiradas da conjugação dos pontos 1, 2 e 8 da Resolução do Conselho de Ministros, nº 55-A/2020 e ainda a que se encontra no art 15º do Anexo à Resolução e de quaisquer normas análogas que viessem a ser aprovadas por renovação do conteúdo da mencionada Resolução; (ii) a condenação da Presidência do Conselho de Ministros a exercer a sua competência relativamente às forças policiais e demais autoridades públicas no sentido de não impedirem o Requerente e as pessoas que com ele viessem a estar reunidas de exercer plenamente a sua liberdade jusfundamental de reunião. 

 

Por sua vez, a Presidência do Conselho de Ministros, assim que citada veio apresentar a sua defesa por exceção, alegando a falta de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, ilegitimidade da Presidência do Conselho de Ministros, impropriedade do meio processual e incompetência hierárquica do STA, para decidir do segundo pedido. Para além disso, defendeu-se também por impugnação, sustentando a conformidade constitucional das normas impugnadas.

 

O requerente refere que a norma de “proibição de ajuntamentos de mais de 10 ou 20 pessoas em espaço público” viola o seu direito fundamental a organizar e participar em “reuniões de amigos e família, jantares, tertúlias, sessões lúdicas ou piqueniques”. Tendo em conta o facto de o Requerente pedir não apenas a impugnação da redação em vigor na data da propositura da intimação, mas também a impugnação de “quaisquer normas análogas que venham a ser aprovadas por renovação de Conteúdo da Resolução (...) em crise”, o STA analise o pedido À luz da redação que, na altura, seria atual – Resolução do Conselho de Ministros nº. 68-A/2020, publicada em 28, de Agosto de 2020.

 

Como Fundamentação, a Requerida alega que o pedido formulado pelo Requerente de declaração de ilegalidade por inconstitucionalidade da norma com efeitos pessoais (circunscritos ao Requerente), ou seja, com efeitos limitados ao caso concreto, não podem ser conhecido pelo STA, pois a norma do artigo 73º/2 do CPTA, em que o mesmo se fundamenta, não admite tal pedido, conclusão que se alcança, tanto a partir da interpretação da norma em conformidade com a CRP como por desaplicação desta norma com o fundamento da mesmo violar a reserva de jurisdição constitucional. A exceção que vem suscitada pela Requerida (interpretação do artigo 73º) tem merecido debate doutrinário.

Esta é uma questão que, como refere o acórdão em questão, o STA ainda não se pronunciou e que, no âmbito do processo urgente, terá de ter a sua análise circunscrita à concreta tutela jusfundamental requerida para garantia do direito, liberdade e garantia, tal como ela é configurada pelo autor. No âmbito deste processo compreende-se, que se discute a pretensão do autor de não lhe ser aplicável a medida de proibição de ajuntamentos de 10 ou 20 pessoas em espaço público e, que ele enuncia sob o pedido de desaplicação das normas relativamente a si, afirmando que em nenhum momento pretende a desaplicação daquela norma com força obrigatória geral em relação a todos os outros destinatários da mesma. Este pedido de declaração de ilegalidade com efeitos pessoais, permite ao autor obter tutela jurisdicional efetiva perante uma norma que, sendo operativa, viola, no entender do requerente, os seus direitos, liberdades e garantias (e até pessoais no caso em concreto).


Não obstante os argumentos que a doutrina refere desde a entrada em vigor da nova redação do nº2 do artigo 73º (que vou analisar, posteriormente), no caso em concreto, por maioria de razão, a admissão da pretensão do Requerente corresponde ao que há muito se previa na lei processual administrativa à luz da anterior redação da norma, ou seja, a possibilidade de qualquer lesado por uma norma imediatamente operativa poder obter a tutela adequada mediante a desaplicação judicial da mesma, com fundamento na respetiva ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.


O meio processual mobilizado pelo Requerente constitui, igualmente, a única forma de assegurar, no âmbito da factualidade concreta, a efetividade do nº5 do artigo 268º da CRP, a qual é também uma norma constitucional dotada de aplicabilidade direta, por consubstanciar um direito análogo a direitos, liberdades e garantias dos administrados. Não se vislumbra que, da admissao do pedido e do respetivo julgamento decorra uma violação da reserva de jurisdição constitucional. Isto é. Quando o pedido se circunscreve à “declaração de inconstitucionalidade com efeitos pessoais ou circunscritos ao caso concreto, estamos perante uma desaplicação da norma em concreto e não perante uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, pelo que a reserva de jurisdição do Tribunal Constitucional, que está normativamente conformada, quer na CRP, quer na LTC, como uma reserva de última palavra e não como uma reserva total de jurisdição, em nada é afetada. Ao Tribunal Constitucional está apenas reservada a decisão final quanto à conformidade constitucional de uma norma administrativa que seja imediatamente operativa. O objeto do processo judicial administrativo é o controlo dos efeitos diretos e imediatos que a norma, por ser imediatamente operativa, produz na esfera jurídica do lesado e não um juízo puramente normativo de desvalor constitucional.


Não se verifica a alegada falta de jurisdição do Supremo Tribunal Administrativo (se o pedido formulado fosse o da declaração da ilegalidade da norma com efeitos pessoais) e, por maioria de razão, não se verifica a alegada exceção no caso em concreto em que a questão da inconstitucionalidade das normas vem suscitada no processo.


O objeto processual é, neste caso, o controlo de uma lesão a um direito, liberdade e garantia de natureza pessoal decorrente dos efeitos projetados por uma norma imediatamente operativa e, para isso, a jurisdição legal e constitucionalmente competente para o seu julgamento é a jurisdição administrativa. Dito isto, não procedeu a exceção de falta de jurisdição do STA para conhecer da intimação.

Quanto legitimidade passiva (ou não) da Presidência do Conselho de Ministros, a Requerida alega que é o Conselho de Ministros e não a Presidência do Conselho de Ministros o autor da resolução cuja inconstitucionalidade é suscitada no processo pelo que se deveria absolver a Requerida da Instância. Chega-se à conclusão de que a Requerida tem razão quando refere que o autor da resolução é o Conselho de Ministros (artigo 24º/1/a) /iii)) e não a Presidência do Conselho de Ministros. O STA, alega, no entanto, que a especificidade do processo justifica a primazia da decisão, considerado que não está verificada a exceção de ilegitimidade passiva.


Refere o artigo 10º do CPTA quem deva ser demandado na ação com o objeto configurado pelo autor – legitimidade passiva. No caso em questão, o autor demanda a Presidência do Conselho de Ministros e não o Conselho de Ministros como mencionado supra. O STA aceitou, no entanto, admitir o lapso do Autor por considerar que este é irrelevante. O STA considera que se deve ignorar a diligência processual dilatória por estarmos no âmbito de uma intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias (Artigo 109º CPTA) onde o dever de gestão processual atinge uma grande importância.

Os Juízes da Secção de Contencioso Administrativos acordam em julgar improcedente a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias por considerar não verificada qualquer violação de direitos, liberdades e garantias.


Em suma, a exceção proposta pela Requerida em relação da falta ou não de jurisdição do STA para julgar do processo não foi considerada e quanto à (i)legitimidade passiva, o STA considera que a Requerida tem razão quando a mesma alega que o autor da resolução é o Conselho de Ministros mas, devido a especificidade do processo considera-se a primazia da decisão material e, portanto, considera-se verificada a exceção de ilegitimidade passiva.

 

Carolina Martinho Martins Dos Santos, nº58494

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