Arbitragem Administrativa

 

Arbitragem Administrativa: Evoluções legislativas

Desde a entrada em vigor do CPTA, a arbitragem administrativa, tem vindo a sofrer diversas alterações. A arbitragem é um meio jurisdicional de resolução de litígios que vem a ser utilizado por convenção das partes, oferecendo diversas vantagens. Como tal, os Tribunais arbitrais vão assumir uma natureza jurídica mista, uma vez que nascem de uma convenção das partes e exercem função jurisdicional. Estes Tribunais são verdadeiros órgãos jurisdicionais, podem regular as situações jurídicas administrativas, tendo sido a própria Constituição a atribuir-lhes este lugar pelo número 2 do artigo 209º. Ainda assim, é relevante destacar que a arbitragem não assume um papel de princípio geral no Direito Processual Administrativo, visto que, como veremos, a arbitragem, ainda que tenha evoluído, reconhece muitos limites.  A Lei de Arbitragem Voluntária através do número 5 do artigo 1º considera que “O Estado e outras pessoas coletivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objeto litígios de direito privado” sendo este o critério subjetivo quando nos referimos à arbitrabilidade.

Sendo assim, podemos iniciar uma reflexão sobre os litígios arbitráveis. Os litígios arbitráveis vêm disposto no artigo 180º do CPTA, por isso, esta parte da exposição irá incidir numa análise do seu conteúdo.

O Artigo 180º do CPTA, de modo sucinto, considera que a arbitragem administrativa é possível em matéria contratual e de responsabilidade, quanto a atos administrativos, relações jurídicas de emprego público e em matéria de atos pré-contratuais.

Relativamente à arbitragem em matéria contratual, vem prevista na alínea a) do artigo 180º do CPTA. No âmbito desta alínea o legislador procedeu a uma alteração, já que este passou a admitir que são passíveis de ser julgados, em tribunal administrativo, “questões respeitantes a contratos, incluindo a anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos relativos à respetiva execução”. Antigamente, antes da reforma considerava-se apenas “Questões respeitantes a contratos, incluindo a apreciação de atos administrativos relativos à respetiva execução”. Para o Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, estamos perante uma clarificação dos poderes legalmente conferidos aos tribunais arbitrais administrativos, sempre que estes tenham de julgar questões respeitantes a atos administrativos de execução de contratos. Esta alteração ainda que não tenha sido significativa permite elucidar que uma das bases da arbitragem administrativa é a competência em matéria contratual que ao longo de todas as alterações se manteve.

De seguida, no que toca à matéria de responsabilidade, presente na alínea b), é outra das matérias, tal como a matéria contratual, que ao longo das reformas administrativas se manteve inalterada. Antes da reforma, este artigo tinha como redação “Questões de responsabilidade civil extracontratual, incluindo a efetivação do direito de regresso”. Atualmente, para além e incluir a efetivação do direito de regresso inclui ainda questões respeitantes a “indemnizações devidas nos termos da lei, no âmbito das relações jurídicas administrativas”. Esta alteração permite reconhecer a existência de outra indemnizações e compensações devidas por força da lei e com origem em relações jurídico-administrativas.

Depois de analisadas estas duas alíneas considero que já é possível afirmar que estas duas matérias: contratual e responsabilidade, constituem as duas matérias base da arbitragem administrativa. O Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA chega mesmo a afirmar que existe uma “permissão genérica do recurso à arbitragem em matéria de contratos e responsabilidade da Administração”.

Continuando, quanto à arbitragem administrativa relativamente a atos administrativos, vem prevista na alínea c) que considera como matéria arbitrável “Questões respeitantes à validade de atos administrativos, salvo determinação legal em contrário”. Esta alínea foi uma inovação. Como conclui o Professor Tiago Serrão considerava-se que as matérias sujeitas a arbitragem eram matérias em que se verificava uma situação de disponibilidade, visto que os atos administrativos não são por si disponíveis, possuindo um conteúdo individual e concreto, não poderiam ser arbitráveis. Antes da reforma de 2015 já se previa “Questões relativas a atos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade, nos termos da lei substantiva”, no entanto com a reforma de 2015 deu-se uma plena efetivação de uma regra de plena arbitrabilidade de quaisquer questões relativas à legalidade de atos administrativos, excetuando as disposições em que a lei proíba.

A admissibilidade de arbitragem quanto a atos administrativos tem envolvido diversas questões que a doutrina se encarregou de solucionar. Interrogava-se, se esta alínea, incluída apenas atos discricionários ou também os atos vinculados. Ainda foi debatida a sua constitucionalidade, mas esta questão foi rapidamente esclarecida de acordo com o número 3 do artigo 212º da CRP. Este artigo, por não conter uma proibição de apreciação pelos tribunais arbitrais, não consagra uma reserva material absoluta da jurisdição administrativa aos tribunais estaduais. Quanto à primeira questão, relativa a atos vinculados ou discricionários, considera-se que o novo regime legal imposto pela reforma de 2015 não permite distinguir a diferença entre atos vinculados e atos disponíveis. Por isso, o preceito vai ser aplicado a todos os atos independentemente da sua natureza vinculada ou discricionária. Para além destas duas questões também tem sido discutida a possibilidade de esta alínea abranger os pedidos de condenação à prática de ato administrativo. Tendo em conta a letra da alínea c), considera-se que não se cinge apenas à eliminação de atos e, por isso, não aceitáveis os pedidos de condenação à prática de atos devidos.

A alínea d) vem admitir as “Questões respeitantes a relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”. Esta alínea foi introduzida em 2008 devido a um aumento significativo dos litígios emergentes em matéria de emprego público, com a publicação de um conjunto de diplomas que alteraram substancialmente os regimes jurídicos até então vigentes. Surgiram dificuldades por parte dos tribunais estaduais que se viram “obrigados” a acrescentar esta matéria no âmbito das matérias arbitráveis. No entanto, é necessário reconhecer os limites desta possibilidade, sempre que “(…) estejam em causa direitos indisponíveis (…)” sendo estes direitos apreciados de acordo a matéria laboral, pode ser integrado aqui o direito à retribuição e ainda “(…) acidente de trabalho ou de doença profissional (…)” o recurso a tribunais arbitrais encontra-se totalmente vedado.

De seguida, temos a possibilidade de recorrer a tribunais arbitrais em matérias respeitantes a atos pré-contratuais. Esta matéria vem prevista no número 3 do artigo 180º do CPTA. Aqui estende-se a competência dos tribunais arbitrais a atos relativos à formação dos contratos. Este artigo visa, sobretudo, dar resposta aos casos que podem envolver um elevado número de interessados.

No número 2 do artigo 180º do CPTA também houve uma alteração, uma vez que na anteriormente este preceito dispunha que “Excecionam-se do disposto no número anterior os casos em que existam contra-interessados, salvo se estes aceitarem o compromisso arbitral”, ou seja, neste caso a falta de aceitação dos contrainteressados gerava falta de competência por parte do tribunal arbitral já que a matéria deixava de ser arbitrável. Na versão atual introduzida pela reforma de 2015, considera-se que “Quando existam contrainteressados, a regularidade da constituição de tribunal arbitral depende da sua aceitação do compromisso arbitral”, logo a aceitação, agora, apenas constitui um elemento para a regularidade da ação e não retira a determinada matéria a possibilidade de ser arbitrável. O termo contrainteressados é amplamente discutido pela doutrina, o Professor FRANCISCO PAES MARQUES, aqueles que estejam investidos numa posição de vantagem atribuída diretamente pela Ordem Jurídica, possuindo assim um direito subjetivo, não sendo suficiente um mero interesse de facto; quando estejamos perante uma colisão direta entre o interesse do autor e o interesse do terceiro e o benefício ou lesão decorra direta e imediatamente dos efeitos da sentença. Já o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA refere que os contrainteressados são os particulares que se podem considerar verdadeiros sujeitos de relações jurídicas administrativas multilaterais (paradigmáticas do novo direito administrativo, sobretudo, em domínios como o urbanismo, o ambiente, o consumo, a cultura), as quais, para além da Administração e dos destinatários imediatos da atuação administrativa em causa, dão origem a uma “rede” de ligações jurídicas entre múltiplos sujeitos, uns do lado ativo, outros do lado passivo, que são titulares de posições de vantagem juridicamente protegidas, pelo que devem gozar dos correspondentes poderes processuais.

Seja qual for o critério adotado pela doutrina os contrainteressados devem sempre ser constituídos como partes com um interesse direto, não podendo ficar de fora da mesma.

 

Uma vez delimitados todas as matérias objeto da competência dos tribunais arbitrais, cabe analisar os seus limites decorrentes do artigo 185º do CPTA. O Artigo refere dois domínios que não podem de maneira alguma ser julgados pelos tribunais arbitrais. Assim sendo, os litígios relativos a “responsabilidade civil por prejuízos decorrentes do exercício da função política e legislativa ou da função jurisdicional”. Esta questão acaba por ser uma consequência do princípio da separação de poderes e do disposto no número 1 do artigo 3º do CPTA que menciona que “No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação” sendo este preceito também aplicável aos poderes dos tribunais arbitrais. Para além disso, no seu número 2 considera que os tribunais arbitrais e a sua atividade nunca deve abranger questões relativas ao controlo de mérito da atuação administrativa já que, nos moldes do número 2 do artigo 209 da CRP os tribunais arbitrais são verdadeiros órgãos jurisdicionais e por isso considera-se que nos “litígios sobre questões de legalidade, os árbitros decidem estritamente segundo o direito constituído, não podendo pronunciar-se sobre a conveniência ou oportunidade da atuação administrativa, nem julgar segundo a equidade”.

Terminada esta reflexão sobre o artigo 180º e 185º do CPTA e dispostas as alterações impostas pela reforma de 2015 podemos afirmar, tal como menciona o Professor Paulo Otero, que se deu uma verdadeira “revolução arbitral” que permitiram destacar o papel dos tribunais arbitrais administrativos e reconhecer as suas mais diversas vantagens. Atualmente, ainda que com cautela, é quase possível considerar que os tribunais arbitrais administrativos estão numa posição similar em relação aos tribunais comuns administrativos.

 

Caetana Pinto Basto | Subturma 3 | 58279

 

 

- ALMEIDA, Mário Aroso de Manual de Processo Administrativo,

- SERRÃO, Tiago, A arbitragem no CPTA

- RAMOS, Vasco Moura, Algumas considerações sobre a arbitragem

- MARQUES, Francisco Paes, A Efetividade da Tutela de Terceiros no Contencioso Administrativo

- OTERO, Paulo, Admissibilidade e Limites da Arbitragem

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