AS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES ADMINISTRATIVAS E CIVIS E A SUA EFETIVIDADE

§ Enquadramento Geral 

Cabe-nos realizar, de modo sumário, uma exposição sobre o regime previsto no Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA) para as providências cautelares, procurando distingui-las das providências civis, com o intuito de melhor entender a sua efetividade. 


As características principais das providências, como já conhecidas do processo civil, são a intrumentalidade, sumariedade, provisoriedade e a sua dependência da ação principal. Aspetos que se verificam igualmente no processo administrativo, não variando do civil quanto à autonomia, estando também sempre dependentes da propositura de uma ação principal (artigo 113º, CPTA). Estas distinguem-se ainda dos processos urgentes (artigo 99º e ss. CPTA) pelos seus efeitos meramente temporários estando sempre dependentes de uma ação principal para assegurar o efeito da decisão, ao invés dos processos urgentes que podem ser ainda mais rápidos que as providências e asseguram desde logo uma decisão de mérito, terminando o processo. 


§ Critérios de atribuição das providências 


Os critérios (materiais) para a decisão de atribuição, ou não, da providência encontram-se postulados no artigo 120º do CPTA, referindo o seu n.º 1 o periculum in mora (‘’quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (…)’’), o fumus boni iuris (‘’seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente’’) e já no n.º 2 do artigo, a ponderação de prejuízos. Cumpre fazer referência à diferença entre a expressão utilizada neste preceito e a do Código de Processo Civil (CPC), de modo a compreender melhor as diferenças entre os dois regimes. 


Neste n.º 2 o legislador diz-nos que a providência deve ser recusada quando da sua concessão resultarem danos superiores aos que resultariam da recusa. Porém, no CPC no seu artigo 368º/2 a referência feita a este critério é o de o prejuízo para o requerido exceder consideravelmente o dano que se pretender evitar. Ambos os preceitos manifestam o principio da proporcionalidade que está implícito na concessão das providências, mas atribuem-no de um modo diferente. 


É de referir ainda que, o preceito não faz alusão à ponderação de prejuízos mas sim à ponderação de interesses e do dano que resulta para cada interesse, o que inevitavelmente faz com que se pense que este critério faz uma mera alusão à ponderação entre interesse público e interesse privado, visto que o requerido normalmente é sempre um ente público. Tal afirmação é desconstruída pela doutrina que refere que não podemos olhar preto no branco para esta divisão de interesses porque se não, na sua grande maioria, o interesse que iria sempre prevalecer seria o público e as providências seriam despidas de qualquer efetividade. 


Expostos os problemas a cima, conseguimos entender que o legislador administrativo demarcou-se do civil ao considerar que existe aqui uma ponderação de interesses e que esta será sempre recusada quando da sua atribuição resulte um dano superior. É já de há muito que existem os tribunais administrativos e judiciais e que se difere as matérias administrativas e civis, o que se entende por se encontrarem em jogo interesses muitos diferentes e as próprias relações jurídicas que se constituem diferirem umas das outras, existindo sempre o elefante na sala chamado ‘’interesse público’’. Com fundamento no interesse público o direito administrativo cria situações que muitas vezes desfavorecem os particulares a favor da administração pública, sem qualquer tipo de fundamento efetivo sem ser o do interesse público. 


    Na comparação feita supra sobre o critério utilizado no direito civil como no administrativo relativo à comparação dos prejuízos, vemos que o legislador administrativo foi mais benevolente necessitando apenas de um mero dano superior. Ora, tendo em conta que as providências são normalmente requeridas contra entes públicos, vemos aqui uma clara preferência e colocação do interesse público num patamar superior o que acaba por limitar em muito a sua efetividade. É claro que o interesse público muitas vezes se sobrepõe ao interesse privado, mas apenas quando esse interesse é verdadeiramente público (ou seja geral) e não quando representa o interesse do Estado, pois apesar de este alegadamente agir em nome do interesse público muitas vezes são criadas situações insustentáveis para os particulares merecedoras de tutela. 


Porém, cumpre-nos também assinalar outros aspetos do regime que mostram uma maior abertura do regime administrativo. Exemplos disto são a possibilidade de repetição da providência quando esta seja recusada com base em determinados fundamentos (artigo 116º/4 do CPTA) enquanto que no regime civil existe uma proibição de repetição da providência (artigo 362º/4, CPC). Também a possibilidade de alterar ou revogar a providência prevista no artigo 124º do CPTA enquanto que tal não é possível no processo civil. 


Concluindo, e tendo também em conta uma leitura sumária de jurisprudência, conseguimos identificar que as providências administrativas não têm a mesma eficácia que as do processo civil por assentarem na comparação entre interesses públicos e privados, tendo logo o legislador tomado posição sobre qual o interesse que prevalece. O julgador ao fazer o seu juízo atinente à concessão das providências administrativas deve abster-se de olhar para quem defende o quê, para que interesse especifico está em causa, e olhar para o bolo no seu todo, procurando decidir de modo justo sem preferir o Estado ao particular, ou o público ao privado, mas o justo ao injusto. 


JOANA BARROS

N.º 58251

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