COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO STA DE 09/10/20, PROCESSO 088/20.8BALSB

 

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO STA DE 09/10/20, PROCESSO 088/20.8BALSB

O acórdão em causa trata de uma questão no âmbito de um processo urgente de intimação para direitos, liberdades e garantias. Deste modo, o requerido intenta uma ação contra o requerente, a Presidência do Conselho de Ministros, pedindo que:

(i)                 a declaração de inconstitucionalidade, com efeitos circunscritos a si, das normas proibitivas de ajuntamentos retiradas da conjugação dos pontos 1, 2 e 8 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 55-A/2020 e ainda a que se encontra no art. 15.º do Anexo àquela Resolução e, bem assim, de quaisquer normas análogas que viessem a ser aprovadas por renovação do conteúdo da mencionada Resolução;

 

(ii)              a condenação da Presidência do Conselho de Ministros a exercer a sua competência relativamente às forças policiais e demais autoridades públicas no sentido de não impedirem o Requerente e as pessoas que com ele venham a estar reunidas de exercer plenamente a sua liberdade jusfundamental de reunião.

Sobre a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, trata-se de uma modalidade de processos urgentes, está regulado nos artigos 104º a 108º. A intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias é um meio processual que constitui um processo autónomo e que visa dar cumprimento ao Art. 20º n.º 5 da CRP, e que in casu se demonstrou claramente a adequação do meio processual ao caso concreto. Para que que se possa intentar uma intimação terão de estar preenchidos determinados pressupostos:

(1) que a providência judiciária requerida (adoção ou abstenção de uma conduta) se destine a proteger um direito, liberdade ou garantia dos previstos no Titulo II da Parte 1 da Constituição ou um direito fundamental de natureza análoga (art.º 17º da Constituição), de cariz pessoal ou patrimonial;

(2) que o pedido se refira à imposição duma conduta positiva ou negativa à Administração ou a particulares; e

(3) não ser possível ou suficiente qualquer outro meio processual principal (ação administrativa especial ou comum), combinado com o decretamento provisório de uma providência cautelar adequada às circunstâncias do caso.

A presente ação de intimação constitui um meio processual principal que tem natureza subsidiária face à tutela cautelar e só deve ser interposta quando a urgência na obtenção da decisão de mérito se revele indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito liberdade ou garantia – n.º 1, do Art.º 109.º do CPTA.

Caso o pressuposto não se encontrarem preenchidos pode haver convolação num processo cautelar. O juiz pode considerar que estejam preenchidos os pressupostos do art. 131º, assim, podem proceder, neste contexto, ao decretamento provisório da providência cautelar adequada, convidando, entretanto, o interessado a apresentar o requerimento cautelar necessário. Assim, é fixado um prazo para que o autor substitua a petição, para o efeito de requerer uma providência cautelar, art. 110º-A CPTA.

No presente caso considero que os pressupostos da intimação se encontram preenchidos.

Desde logo, o Requerente enuncia o seu pedido através de declaração de ilegalidade por inconstitucionalidade por efeitos pessoais para as “normas” de “proibição de ajuntamentos de mais de 10 ou 20 pessoas em espaço público”, que entende violar o seu direito fundamental de reunião (artigo 45º CRP) – preenchimento do pressuposto (1).

Não obstante ter existido um pedido autónomo, – o pedido de condenação da Presidência do Conselho de Ministros a exercer a sua competência relativamente às forças policiais e demais entidades públicas no sentido de não impedirem o Requerido e as pessoas que com ele estejam reunidas de exercer plenamente a sua liberdade jus fundamental de reunião – o pedido principal já reunia as características para o pressuposto (2) dado que o pedido se refira à imposição duma conduta positiva ou negativa à Administração ou a particulares. É de notar que este pedido autónomo mostra-se inútil face ao pedido principal. Como diz o acórdão “o que o Requerente pretende com o segundo pedido formulado é que os órgãos da policia e as demais autoridades fiquem impedidas de aplicar, relativamente a si e aos restantes membros dessas reuniões, as regras de proibição de limite de participantes em ajuntamentos que constam das normas impugnadas, nos estritos termos do que viesse a ser determinado o âmbito do julgamento do primeiro pedido, então este pedido não tem autonomia relativamente ao efeito do julgado do primeiro, pelo que é inútil.” Concordamos.

 A vigência da norma que proíbe os ajuntamentos de mais de 10 pessoas ou 20 pessoas em espaço público termina às 23:59h do dia 14 de setembro de 2020 (ponto 1 da Declaração n.º 68-A/2020) é uma norma com vigência temporal limitada. O decretamento de uma providencia cautelar não asseguraria o exercício em tempo útil de um direito. Verifica-se assim o pressuposto (3)

A requerida alegou a falta de jurisdição do STA para julgar o processo em causa. Considerou que o mesmo viola a reserva de jurisdição do tribunal constitucional. Nós entendemos que a tutela prevista no artigo 268.º, n. º5, da Constituição tem de ser garantida através dos tribunais administrativos dada a inexistência de meio próprio na jurisdição constitucional. Entendemos também que o controlo realizado pelos tribunais administrativos nos termos do artigo 73/2 CPTA é um controlo difuso da fiscalização concreta (artigo 204CRP) e que a reserva constitucional de jurisdição do TC diz respeito apenas à declaração de inconstitucionalidade de normas com força obrigatória geral. Concordamos assim com o Tribunal. É limitador que seja o Tribunal Constitucional a ter a competência exclusiva. Assim, não estando perante uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não existe uma violação da reserva jurisdicional conferida ao Tribunal Constitucional, sendo o STA o competente para dirimir o litígio.

Em relação à declaração de ilegalidade da norma com efeitos pessoais presente no artigo 73.º, n.º 2, do CPTA. Se houvesse procedência da ação, estar-se-ia a colocar em causa o princípio da igualdade: as medidas proibitivas continuariam a vigorar para aqueles que se encontrassem com o indivíduo, tornando claramente inútil a eventual desaplicação das normas a um único sujeito. Para além disso o princípio da legalidade ficaria ferido: o tribunal julga procedente a ação, declarando a ilegalidade de uma norma jurídica, mas a norma continuara a subsistir na ordem jurídica.

 

Renato Vieira dos Santos

N.º 58341

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