Do Rol de Testemunhas Zero
Este comentário versará sobre a regra que decorre do artigo 89º-Aº/5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.”
De notar que a redacção do artigo 89º-A foi
introduzida pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02 de Outubro, no seu artigo 3º.
Salienta-se o facto de este novo artigo se apresentar como uma autêntica
clonagem da solução consagrada no artigo 598º/2 do Código de Processo Civil. O
legislador, num modus operandi
administrativo-independentista, decidiu, facilitando o acesso e a percepção da
lei, que não seria mais necessária uma remissão para o código de Direito
Privado.
Desta forma, coloca-se o desafio de compreender o
que quer, em verdade, postular tal preceito legal.
Em suma, numa curta afirmação, pela análise da
jurisprudência, tanto a nível público como privado, tal artigo tem sido
interpretado num único sentido: não se pode aditar ou alterar algo inexistente.
Logo, apenas poderá ser aditado ou alterado um rol de testemunhas (89º-A/4), se
houver sido apresentada testemunha na petição inicial (78º/4) ou na contestação
(83º/2)
No entanto, chegou a hora de apanhar este balão
que paira no ar jurídico sem qualquer razão de ser. O Direito deve ser prático
e pugnar por princípios de justiça, sendo que, em sede de Tribunal, o único
caminho que tem de importar é o caminho da verdade – não o caminho da
mesquinheza formalista. Assim, ainda que, em termos literais, a letra da lei,
pelo significado das suas palavras, aponte para uma solução, essa mesma via
apenas deverá ser respeitada, e criar raízes com o passar dos anos, se ajudar
quem dela se serve a chegar à verdade dos casos.
É com estranheza que abordo esta temática, na medida em que me parece clara que a posição que tem vindo a ser seguida pela jurisprudência cede sempre perante um formalismo literal injustificável. Como refere o Dr. Nuno Salazar Casanova, em O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – ERROS, CAUTELAS E ARMADILHAS PROCESSUAIS (versando acerca da temática no Direito Privado), parece que o receio tomou conta dos advogados, na medida em que tem sido prática a apresentação como testemunhas de um rol insignificante para o processo, apenas para garantir a possibilidade de convocar testemunhas até 20 dias antes da audiência final (89º-A/4).
Ainda assim, confio que esta prática não seja um
costume, ou seja, não seja ela própria fonte de Direito, pois isso quereria
dizer que haveria convicção de obrigatoriedade associada a esta prática,
claramente, “a medo” - a medo de uma decisão de conteúdo do juiz que não
permita aditar ou alterar um rol de testemunhas inexistente. Considero sim que
se tratará de um mero uso, uma mera prática reiterada, e que, se se averiguasse
num questionário de “sim ou não”, a convicção geral seria a de que não terá
qualquer nexo prosseguir com esta prática.
Como ex libris da posição que tem vindo a ser seguida pela jurisprudência, apresenta-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28.06.2018. O Acórdão de Recurso dispõe, então, acerca da temática da inadmissibilidade de aditamento ou alteração do rol de testemunhas não previamente oferecido nos momentos da petição inicial (78º/4 CPTA) ou da contestação (83º/2 CPTA).
Neste caso, foi requerida a admissão de uma testemunha em sede de audiência
prévia. Note-se que a legislação vigente no caso não tem em conta as últimas
actualizações do
CPTA. No entanto, é possível um claro
aproveitamento de princípios para este dia de 2020.
Assim, é referido que há uma clara distinção
contida neste preceito, sendo o mesmo separado dos demais requerimentos
probatórios e que é “óbvio” que somente poderá aditar ou alterar o rol de
testemunhas quem tenha, efectivamente, apresentado um rol.
O douto Tribunal cita o entendimento de Paulo Ramos de Faria e de Ana Luísa Cordeiro, em Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da reforma, vol I, 2012, 2ª ed., página 561: “se na lei antiga se admitia a indicação dos meios de prova na audiência preliminar, agora só se admite a alteração do requerimento probatório na audiência prévia, sem possibilidade de a relegar para momento ulterior. A alteração do requerimento probatório pressupõe que já tenha sido apresentado um requerimento que então se altera”.
Outro entendimento, seria, segundo este Acórdão
fazer letra morta do que está claramente consagrado na lei. Por estas razões,
deverá ser entendido que a única interpretação possível é a de que terá de ser
indicada pelo menos uma testemunha nos articulados iniciais.
Para além deste caso (e de muitos outros), num
outro Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 31.10.2019., é
afirmado que as partes têm o “ónus de oferecer, indicar e requerer os meios de
prova que entendam como necessários e adequados à prova dos factos
consubstanciadores do Direito alegado e contraditado. Desta forma, retira-se o
princípio de respeito pelo momento processual adequado à prática do acto
processual.
Sem embargo, apesar da clara tendência da
jurisprudência, aqui exemplificada em dois acórdãos paradigmáticos da situação,
parece esta uma situação totalmente kafkiana.
Deste modo, e fazendo jus ao título deste
trabalho, apela-se ao reconhecimento jurisprudencial e doutrinal da
possibilidade de ser considerado válido um rol de testemunhas “zero”.
Um rol de testemunhas zero poderá ter duas
manifestações no Direito português:
-
Possibilidade
de, em petição inicial (78º/4 CPTA) ou em contestação (83º/2), ser apresentado,
literalmente, um rol de testemunhas vazio, na medida em que não se vê qualquer
diferença entre esta apresentação ou a apresentação de um rol com uma única
testemunha que nada tem a ver com o processo, e que apenas será desconsiderada
do mesmo, por falta de contribuição para o apuramento da verdade da causa;
-
Possibilidade
de não ser necessário proceder à prática de uma burocracia absurda como um “rol
de testemunhas vazio” e ser, simplesmente, admitida a possibilidade de
apresentar um rol de testemunhas completamente inovatório para a ação até 20
dias antes da data em que se realize a
audiência final (“sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de
igual faculdade, no prazo de cinco dias”) – 89º-A/4.
Em conclusão, o rol de testemunhas zero parece ser
uma solução viável, que contribui para o apuramento da verdade da causa (sendo
que se admitem testemunhas que de outra maneira nunca poderiam testemunhar) e
que pretende corrigir uma prática que não pode passar incólume. Seja numa
manifestação mais lógica, como o é a segunda hipótese suscitada, ou numa
manifestação mais ilógica, como o é a primeira hipótese suscitada, mas
inteiramente de acordo com o critério que tem vindo a ser seguido pela prática
jurídica e pela jurisprudência.
Miguel Mateus Leal
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