O CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL ADMINISTRATIVO - em especial o efeito suspensivo do art. 103º-A

 

O CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL ADMINISTRATIVO - em especial o efeito suspensivo do art. 103º-A

O contencioso pré-contratual trata da tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares no âmbito de um procedimento administrativo para a formação dos contratos públicos. Este instituto visa dirimir os conflitos que ocorram na formação dos contratos de (i) empreitada de obras públicas; (ii) concessão de obras públicas; (iii) concessão de serviços públicos; (iv) aquisição ou locação de bens móveis; (v) aquisição de serviços.

Este instituto foi introduzido através do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de outubro, o legislador procedeu a uma revisão do regime do contencioso administrativo, que constava do CPTA, foi aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de fevereiro. Este processo legislativo trata-se de uma transposição da Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho após uma tentativa insuficiente de alteração do CCP através do Decreto-Lei nº 18/2008.

Este instituto está regulado nos arts. 100º e ss. do CPTA. Esta ação administrativa urgente abrange como objeto processual as pretensões de (i) impugnar atos administrativos; (ii) condenar à prática de atos administrativos ou (iii) impugnar normas regulamentares, de acordo com o art. 97º CPTA. No âmbito da sua natureza urgente é admitida a cumulação de pedidos, permitida nos termos gerais no art. 4º CPTA, mesmo que os demais pedidos, se isoladamente deduzidos, não correspondesse um processo urgente. No que respeita ao prazo, este está previsto no art. 101º, será de um mês, no entanto, exclui-se deste a impugnação de peças procedimentais, o prazo previsto neste artigo apenas se aplica à impugnação de atos administrativos.

A alteração mais relevante, introduzida pelo Decreto Lei n.º 214-G/2015 consiste na atribuição de um efeito suspensivo automático à ação de contencioso pré-contratual. Dispõe assim o art. 103º-A/1 do CPTA “impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”. No entanto, este efeito suspensivo não é uma consequência de qualquer ação de contencioso pré-contratual, de acordo com o art. 103º-A/1 esta só opera quando o processo tenha como objeto a impugnação de um ato de adjudicação. As impugnações de peças procedimentais apenas poderão recorrer das medidas provisórias previstas no art. 103º-B/1.

Parte muito relevante deste efeito suspensivo automático é o seu âmbito extenso, que incluí na sua previsão a execução do próprio contrato, se este já tiver sido celebrado. Este processo será muito mais eficiente para atingir a sua finalidade do que o instituto do art. 128º/1 CPTA, ainda que a este fosse aplicável o regime da suspensão cautelar presente no art. 132º relativo às providências na formação de contratos. Esta nova solução é muito mais garantística sobre os direitos e interesses legalmente protegidos. Ao contrário da solução conhecida das providências cautelares este regime é extremo pois o seu mecanismo suspensivo opera mesmo que não haja risco ou seja provocado qualquer dano na esfera jurídica do autor, trata-se de um efetivo direito potestativo deste requerer a suspensão.

Para que se produzam os efeitos suspensivos é necessário que o autor tenha conhecimento, isto é, para que sejam determinados a suspensão dos efeitos, o momento, será a citação do réu na propositura da ação, solução semelhante e justa que já decorre nas providências cautelares, art. 128º/1 CPTA. Assim o efeito será operativo de acordo com o art. 246º CPC.

De acordo com o art. 103-A/1 CPTA, a suspensão também opera nas situações em que o CCP dispensa a obrigação de standstill, não é relevante para o mecanismo as situações em que esta obrigação vigora ou não.

A entidade demandada e o contra-interessados têm o poder de requerer o levantamento do efeito suspensivo, para que isto possa acontecer terá de ser alegado (i) as consequências danosas desproporcionais para os interesses envolvidos, aplicando-se o critério do art. 120º/2, isto é, a argumentação racional da ponderação de interesses conflituantes e da lesão que poderá afetar estes mesmos, sejam públicos ou privados. 

O demandante apenas poderá responder no prazo de 7 dias, o juiz terá 10 dias para decidir, contado da sua última pronúncia apresentada ou do termo do prazo da sua apresentação. Assim, o efeito suspensivo apenas será levantado quando, ponderados os interesses concretos suscetíveis de lesão, que resultariam da continuação do efeito suspensivo seriam maiores dos que podem resultar do seu levantamento, de acordo com o art. 103º-A.

Apesar do avanço garantístico dos direito e interesses dos particulares, alcançados pela introdução legislativa, teremos de reconhecer que este acréscimo de tutela pode ser utilizado de forma abusiva pelos interessados. Consequentemente serão os Tribunais Administrativos inundados de ações infundadas. Esta preocupação é presente devido à existência do mecanismo suspensivo, que poderá em muitos casos, ser a única razão pela qual é proposta esta ação urgente.

Uma solução a este problema será a aplicação do instituto presente no CPC na litigância de má fé, isto quando se demonstre se ter recorrido do processo de modo abusivo, unicamente com intenções dilatórias, esta norma está prevista no art. 531º CPC.

 

Bibliografia:

- Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 4ª Edição, Almedina (2020).

- Coleção formação contínua, contencioso pré-contratual. Jurisdição administrativa e fiscal, Fevereiro 2017, Centro de Estudos Judiciários

- Paulo Pereira Gouveia, Sobre o novo processo do contencioso pré-contratual, JULGAR n.º 26

- Duarte Rodrigues Silva, As alterações ao regime de contencioso pré contratual do CPTA, Publicações Sérvulo, 19 Setembro 2019

 

Renato Vieira dos Santos

Nº 58341

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