O Regime Jurídico da Tutela Cautelar


 Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”, n.º 1 do Artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 

 

O regime jurídico da matéria da tutela cautelar encontra-se consagrado do Artigo 112º até ao Artigo 134º do CPTA. Podemos entender do artigo mencionado supra que o processo cautelar trata-se de um processo sem autonomia, sendo que funciona como preliminar ou incidente do processo declarativo. 

 

O Artigo 112º constitui uma clausula aberta, sendo que encontra fundamento no Artigo 268º/ da CRP. Isto é, é possível obter providências cautelares de vários tipos de conteúdo. O Professor Vasco Pereira da Silva estima que o legislador adotou a lógica da clausula aberta, considerando todos os casos elencados no Artigo. O único exemplo novo é o a da alínea i) do mesmo Artigo. O Professor considera que é somente necessário um “fundado receio” para que se possa agir contenciosamente, não tem de haver lugar a aplicação do ato. Encontra-se aqui uma discordância na doutrina, na medida em que o Professor Freitas do Amaral criticava esta ideia (chamava-lhe “inovação”). O Professor Vasco Pereira da Silva responde, dizendo que o Professor Freitas do Amaral não leu o Artigo até ao fim. 

 

Mesmo a Revisão de 2015, manteve-se a proibição de executar o ato administrativo, que se encontra consagrado no Artigo 128º do CPTA. A entidade não pode iniciar ou prosseguir a execução do ato, sendo que a violação deste princípio pode resultar na eficácia destes mesmos atos pelo Tribunal. Este Artigo pretende evitar o periculum mora do processo cautelar. O Professor Vasco Pereira da Silva critica este artigo, referindo que não faz sentido esta proibição num contexto administrativo. Fundamenta-se no facto de só se aplicar a suspensão de eficácia, uma fez que é nesta fase que é discutida esta matéria (antes de se discutir os interesses das partes). 

 

Fazia-se a diferença, até 2015, entre providências cautelares conservatórias  e  providências antecipatórias. A primeira visa as situações jurídicas finais. Isto é, eram utilizadas como meio nos casos em que o interessado pretendia proteger um direito que estava em perigo, tentado precaver-se da violação desses direitos por uma qualquer norma que viesse a ser adotada. Temos como exemplo a alínea a) e i) do n.º 2 do Artigo 112º. Relativamente a providências cautelares antecipatórias, são atinentes a situações em que o interessado pretende obter uma prestação antecipada relativa à utilidade que pretende obter com a procedência do processo. É exemplo desta situação as alíneas b), c), d) e e) do n.º 2 do Artigo 112º.

 

O processo cautelar caracteriza-se pela sua instrumentalidade. Isto é, este processo só pode ser desencadeado por quem tenha legitimidade para intentar um processo principal e depende desta, nos termos do Artigo 113º/1 do CPTA. Temos, então, uma indissociabilidade  providência cautelar com o processo cautelar, sendo a providência instrumental em relação ao segundo, uma vez que é depende do mesmo. 

 

Por outro lado, este processo tem como particularidade a sua provisoriedade. O Tribunal pode revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a decisão de adotar ou recusar a providência cautelar, como dispõe o Artigo 124º CPTA. Esta decisão cautelar provisória resulta numa regulação provisória de interesses, pelo que esta característica se encontra visível tanto no conteúdo como na duração da decisão. É de nota que uma providência cautelar não pode antecipar a título provisório a produção do mesmo efeito que a decisão a proferir no processo principal. Nunca se pode antecipar a título definitivo situações que são determinadas por título definitivo pelo processo principal. Vê-se, neste aspeto, a ligação entre a provisoriedade e a instrumentalidade.

 


A acrescentar, o processo cautelar também é caracterizado pela sua sumariedade. O Tribunal procede apenas a apreciações alicerçadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, não procedendo a apreciações definitivas que só terão ligar no processo principal. Assim sendo, esta particularidade do processo cautelar visa obviar as ocorrências que possam comprometer a utilidade do processo principal, em tempo útil. 

 

Cumpre, agora, apreciar os critérios para a emissão das providências cautelares. O primeiro critério encontra-se consagrado no n.º 1 do Artigo 120º do CPTA. Encontramo-nos perante o periculum in mora. O Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), no processo 13489, considera que esta situação se traduz no prejuízo decorrente da demora da decisão da ação principal para a esfera jurídica do interessado. Este critério espelha-se, então, no receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação. 

 

O segundo critério diz respeito à aparência de Bom Direito, à luz do n.º1 do Artigo 120º do CPTA. Isto é, refere-se a uma avaliação que o juiz faz do grau de probabilidade do êxito do requerente no processo declarativo. A partir da Revisão de 2015, estabelece-se o requisito de fumus boni iuris quando a pretensão formulada é julgada procedente no processo principal. O Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) refere que “o fumus boni iuris traduz-se na aparência do bom direito face à probabilidade de procedência da pretensão a deduzir na ação principal, o que é aferido através de um juízo meramente perfuntório”. 

 

Por fim, temos o critério da ponderação de interesses. Considerando que os dois critérios mencionados supra se encontram preenchidos, tem de se avaliar se a posição do requerente é digna de proteção. Encontramos uma ressalva para esta situação no n.º 2 do Artigo 120º do CPTA, defendendo um princípio constitucionalmente protegido – o princípio da proporcionalidade.

 

Conclui-se, assim, que o processo cautelar tem particularidades específicas, tendo como finalidade a salvaguarda da utilidade da lide principal, na medida em que esta se substancia num período longo em virtude da necessidade de um conhecimento pleno e profundo para a decisão de mérito ser proferida. 



 

BIBLIOGRAFIA:

 

·      ALMEIDA, Mário Aroso de Manual de Processo Administrativo

·      ANDRADE, Carlos Vieira de; A Justiça Administrativa


Matilde de Oliveira 

N.º 59182




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