Os contrainteressados - Relevância da figura no contencioso administrativo e o problma da determinação dos mesmos.
1. Introdução.
Através da realização
deste escrito, pretendo fazer uma breve análise de uma figura típica do
Contencioso Administrativo - o contrainteressado - situando-a no âmago das
relações multilaterais dos sujeitos processuais para, a posteriori,
desenvolver uma recensão analítica da jurisprudência resultante do contraste de
várias decisões administrativas, bem como das divergentes posições da doutrina,
com o objetivo final de indagar sobre a determinação de quem deve ser
obrigatoriamente demandado como contrainteressado no âmbito do processo
administrativo.
2.
Enquadramento geral.
Historicamente, os
contrainteressados surgiam no processo como partes acessórias, ao lado das
partes principais (autor e réu). A modernização do Direito Administrativo
acabou por ultrapassar a visão tradicional do contencioso administrativo,
configurado em moldes bilaterais, construindo-se também, relações
administrativas multilaterais, no sentido em que há um conjunto alargado de pessoas
cujos interesses podem ser afetados pela atuação da Administração, ainda que
não sejam os seus diretos e imediatos destinatários. Exatamente neste sentido,
como refere o Professor Mário Aroso de Almeida, “as relações jurídicas
relacionadas com o exercício de poderes de autoridade por parte da
Administração são complexas no plano subjetivo, apresentando-se com uma
estrutura poligonal ou multipolar, que envolve um conjunto de pessoas cujos
interesses são afetados pela conduta da Administração”.
Surgem, neste
contexto, as posições destes “terceiros”. “Terceiros”, não na verdadeira aceção
do termo, dado que “todos os sujeitos da relação jurídica administrativa
multipolar material, desde que sejam titulares de direitos subjetivos públicos
em face do objeto do litígio”, devem corresponder a partes processuais com
“estatuto equivalente, na relação jurídico-processual”, até porque o
legislador, expressamente estende a legitimidade passiva aos
contrainteressados, nos termos do artigo 10º, nº1 CPTA in fine, consagrando
a sua génese de intervenção a título principal no litígio, que não se confunde
com os verdadeiros terceiros que se encontram previstos no Artigo 10º, nº10
CPTA. De facto, quanto a este aspeto, o código faz uma distinção clara.
Deste modo, de acordo
com o Professor Vasco Pereira da Silva, apesar da denominação pouco feliz que
se encontra vertida nos artigos 57º e 68º, nº2 do CPTA, os contrainteressados “outra
coisa não são que sujeitos principais da relação jurídica multilateral,
enquanto titulares de posições jurídicas de vantagem conexas com as da
Administração”[1].
Portanto, há aqui uma equiparação destes sujeitos processuais à entidade
demandada, sendo que se encontram ambos no lado passivo da relação processual.
O próprio Professor infere que interpretação sistemática do Código obriga a
considerar que os denominados contrainteressados são partes no processo.
Assim sendo, esta
estrutura multipolar que resulta da afetação que eventuais decisões resultantes
da colisão da Administração com outro particular podem implicar na esfera
destes “opositores particulares”, seja na forma de lesões ou efeitos benéficos
para os mesmos, teve que se lhes ser dada proteção jurídica ao nível do
contencioso.
2.
Enquadramento legal.
Realizado este enquadramento sintético, cumpre ainda fazer uma reflexão
sobre a definição dos critérios relativos à legitimidade processual dos
contrainteressados.
O Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevê a participação destes
sujeitos processuais, no âmbito dos processos impugnatórios, determinando que,
nos termos do Artigo 57º, “além da entidade autora do ato impugnado, são
obrigatoriamente demandados os contrainteressados”. O mesmo preceito revela as
exigências para considerarmos que estamos perante estes sujeitos processuais,
fazendo referência à verificação de um de dois requisitos: primeiramente, que o
provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar aquela parte;
por outro lado, caso não haja prejuízo, ainda se considera contrainteressado
aquele que tiver um legítimo interesse na manutenção do ato que é impugnado.
O mesmo diploma legal também prevê a participação dos contrainteressados
nos processos de condenação à prática de atos administrativos. Nestes termos,
estatui o artigo 68º, nº2 que além da entidade responsável pela situação de
omissão ilegal, são obrigatoriamente demandados aqueles a quem a prática do ato
omitido possa diretamente prejudicar ou que tenham interesse legítimo em que
ele não seja praticado.
Nestes termos, parece existir consonância destas disposições com o
estabelecido no artigo 10º, nº1 do CPTA, referente à legitimidade passiva.
Efetivamente, resulta deste preceito que “cada ação deve ser proposta contra a
outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra
as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”, sendo
percetível que o escopo deste preceito é atribuir, embora não exclusivamente,
legitimidade passiva aos contrainteressados.
De facto, seguindo o raciocínio do Professor Mário Aroso de Almeida, e
atentando a este enquadramento legal, o legislador demonstra a preocupação de,
tanto no artigo 57º, como no artigo 68º, nº2, densificar o próprio conceito de
contrainteressados, circunscrevendo-o, às pessoas “que possam ser identificadas
em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo
administrativo”. Denota-se aqui uma finalidade de “objectivizar a operação de delimitação
do universo dos titulares de interesses contrapostos aos do autor que devem ser
demandados no processo”. Nesta linha raciocínio, seguindo uma interpretação
mais estrita e literal que possa resultar destes preceitos legais, podemos
conceber, num primeiro momento, que constituem contrainteressados e, portanto,
devem ser demandados, aqueles que sejam titulares de interesses contrapostos
aos do autor (Artigo 10º, nº1 CPTA), tanto em processos de impugnação de atos
administrativos (Artigo 57º), como em processos de condenação à prática de atos
administrativos (Artigo 68º, nº2).
3.
Posição processual dos contrainteressados: Litisconsórcio necessário passivo?
Ainda antes de cogitar sobre a efetiva determinação de quem pode ser
contrainteressado, seguindo outras interpretações mais desapegadas à letra da
lei e perquirir sobre alguns Acórdãos, cabe refletir sobre a posição processual
dos contrainteressados uma vez que, como refere o Professor Mário Aroso de
Almeida, esta figura, em processo administrativo “tem sido reconduzida, sem
reflexão aprofundada, ao instituto do litisconsórcio necessário
passivo” e assim o é pela grande maioria da doutrina.
Não obstante, esta determinação da posição processual dos
contrainteressados ao instituto do litisconsórcio necessário passivo, não deixa
despoletar algumas inquietações. O próprio Professor Mário Aroso de Almeida sugere
que a recondução desta figura a este instituto deve ser objeto de revisão
crítica. Isto deve-se principalmente, na ótica do Professor, ao facto de que,
tanto nos processos impugnatórios, como nos processos de condenação à prática
de atos administrativos, o objeto dos processos não é definido em referência à
situação subjetiva dos contrainteressados, detentores de interesses
contrapostos aos do autor, mas, efetivamente, à posição da Administração e ao
seu posicionamento “no quadro do exercício dos seus poderes de autoridade”. Ou
seja, na lide, a discussão centra-se em determinar “se a Administração agiu ou
não de modo ilegal e, por isso, se se anula ou não o ato administrativo, ou se
se condena ou não a Administração a praticar o ato recusado ou omitido.”
A posição do contrainteressado vai surgir nesta relação multipolar como a
de um interessado que, sendo beneficiário do ato ilegal ou podendo ser afetado
pelo ato devido, tem interesse em que ele não seja anulado, ou que ele não seja
praticado. Portanto, tem um interesse em que a Ordem Jurídica permaneça
intocada.
Ora, numa situação de pluralidade de partes, o litisconsórcio
passivo pressupõe a cotitularidade da relação jurídica entre os litisconsortes
e, nestes termos, a existência de uma única relação material, como se houvesse
aqui um único demandando. Como já fiz referência, a doutrina, dominantemente,
considera que os contrainteressados atuam em litisconsórcio necessário passivo
com a entidade pública e entre eles próprios, dado que têm de estar todos em
processo, sob pena de não ficarem vinculados ao mérito da causa, ao respetivo
caso julgado. A doutrina infere, nestes moldes, que se trata, por um lado, de
litisconsórcio passivo porque os pedidos são formulados contra todas as partes,
havendo unicidade do pedido. Por outro lado, o litisconsórcio passivo é
necessário porque, a sua preterição, i.e, a falta de citação dos
contrainteressados no processo, por um lado obsta ao conhecimento da causa, nos
termos do artigo 89º, nº4, al. e), e, por outro lado, implica a inoponibilidade
da decisão judicial que possa a vir ser proferida à revelia dos
contrainteressados, nos termos do artigo 155º, nº2). Cabendo esta indicação ao autor da
ação, aquando da formulação da petição inicial, a sua falta acarreta
ilegitimidade passiva, sancionada com a rejeição da peça processual, nos termos
da al. b) do n.º 1 do artigo 80.º.
O Professor Francisco Paes Marques, por outro lado, vem considerar a
inadmissibilidade da figura do litisconsórcio necessário passivo, como figura
enquadradora da relação Administração/contrainteressado, apresentando uma
multiplicidade de argumentos:
Primeiramente, o Professor salienta que neste suposto litisconsórcio
necessário, os dois sujeitos que se encontram no lado passivo, têm uma natureza
bastante dessemelhante, dado que a entidade demanda é sempre um sujeito titular
de poder público, normalmente a Administração. Quanto a este aspeto, reforça a
problemática suscitada anteriormente, no sentido do objeto do processo estar
centrado no exercício ou na omissão do exercício de competências
jurídico-públicas da entidade autora do ato e, por conseguinte, “a conduta
processual que a Administração vai adotar no processo, possui uma dimensão e um
alcance incomparavelmente maiores que os poderes reconhecidos aos
contrainteressados”.
De facto, o que se evidencia é que longe de se verificar uma identidade
entre partes, existe antes uma “assimetria funcional estruturante no lado
passivo da relação processual administrativa”, que se deve essencialmente ao
estatuto que a Administração detém no processo que difere significativamente
das outras partes processuais, uma vez que possui especiais prerrogativas e,
correlativamente, certos ónus e especiais deveres inerentes à sua condição de
entidade demandada, ou seja, “especificidades próprias decorrentes da
conformação da relação jurídica administrativa material”. O problema suscitado
pelo Professor é exatamente perceber se, pelo facto dos contrainteressados
terem um interesse idêntico à entidade demandada, passam a beneficiar das
especiais prerrogativas que são atribuídas à Administração e, do lado oposto,
se podem ser prejudicados pelo correlativos “especiais ónus, deveres e encargos
que oneram a Administração”.
Em segundo lugar, como afirma o Professor, se esta figura fosse aplicável, nestes
termos, tal significaria que “a Administração ficaria tolhida quanto ao
exercício de certos poderes processuais na pendência do processo, porquanto o
regime do litisconsórcio necessário implica que a eficácia de certos atos
processuais só seja adquirida quando praticados por todos os litisconsortes.”
Aqui pode apontar-se o facto de que “a aplicação do regime do litisconsórcio
necessário levaria a que a Administração não pudesse celebrar qualquer transação
com o autor nem sequer proceder à revogação ou anulação do ato impugnado, dado
que, nos termos do n.º 2 do art. 288.º do Código de Processo Civil (CPC), a
confissão, a desistência ou a transação de algum dos litisconsortes só produz
efeitos quanto a custas.”
Deste modo, ainda que o autor proponha a ação não só contra a parte
demandada, mas também contra os contrainteressados, quer seja no âmbito dos
processos impugnatórios, quer seja âmbito nos processos de condenação à prática
de um ato administrativo, o facto é que estes últimos não são partes na relação
material controvertida. Assim sendo, na perspetiva do Professor Paes Marques,
não podemos admitir que estes sujeitos façam parte de um litisconsórcio
necessário, uma vez que esta é “uma figura que se destina a assegurar a unidade
do caso julgado em face da existência de uma pluralidade de sujeitos que são
titulares da relação material controvertida”. Nestes termos, se os contrainteressados
não fazem parte da relação material controvertida, logo também não fazem parte
do litígio, e, consequentemente a sua posição não está contida no objeto do
processo, “pelo que a sentença é insuscetível de sobre as suas esferas
jurídicas incidir, o que, afinal, torna a figura do litisconsórcio, neste
contexto, totalmente desajustada”.
Acaba por se concluir que a figura do litisconsórcio necessário passivo não
é aplicável à ligação processual que se verifica entre a Administração e os contrainteressados,
quer por uma razão dogmática, ou de natureza da relação jurídica material, quer
por uma razão prática ou de regime.
4. Quem pode ser considerado um
contrainteressado: Análise de um caso concreto.
Tendo sido efetuada uma análise geral à figura dos contrainteressados, bem
como algumas problemáticas que própria figura pode trazer à colação, cumpre
agora determinar, socorrendo-me de algumas decisões administrativas, bem como
de posições doutrinárias, quem deve, efetivamente, ser demandado como
contrainteressado.
Nos pontos anteriores ficou definida uma primeira posição que surge da
interpretação mais literal dos preceitos legais: referi que constituem
contrainteressados e, portanto, devem ser demandados, aqueles que sejam
titulares de interesses contrapostos aos do autor (Artigo 10º, nº1, in fine,
CPTA), tanto em processos de impugnação de atos administrativos (Artigo 57º),
como em processos de condenação à prática de atos administrativos (Artigo 68º,
nº2).
Porém, analisando o Acórdão do STA de 12/11/2015, proc. 01018/15, no
contexto de uma ação administrativa de contencioso pré-contratual, que tem como
escopo a anulação da decisão da Câmara Municipal de Mogadouro, vamos poder
observar várias posições relativas a quem pode deve ser inserido neste universo
dos contrainteressados.
No caso em apreço, a Réu - Câmara Municipal de Mogadouro - adjudicou uma
empreitada de obra pública à sociedade B, sendo que a sociedade A,
pediu a anulação desta decisão no TAF de Mirandela, tendo a mesma sido julgada
procedente, anulando-se não só o ato de adjudicação, mas também o contrato que
fora celebrado na sua sequência, além do mais, na petição inicial, a Autora
indicou como contrainteressado apenas a adjudicatária.
C,
uma das oponentes ao referido concurso, invocando o disposto nos artigos 154º e
155º do CPTA, interpôs recurso de revisão dessa sentença, alegando não ter sido
citada para intervir como contrainteressado. Não havendo o TAF concedido
provimento ao recurso, a sociedade C recorreu dessa decisão para
o TCA Norte que, além de conceder provimento ao recurso, declarou o processado
nulo a partir da petição inicial. Do referido Acórdão resulta o presente
recurso, interposto pela autora A.
Deste modo, como já foi analisado anteriormente, resulta do artigo 57º do
CPTA, que são obrigatoriamente demandados, a par da entidade do ato impugnado,
neste caso a Câmara Municipal - entidade adjudicante -, os titulares de
interesses contrapostos aos do autor (Artigo 10º, nº1, in fine), desde
que esteja verificado um dos pressupostos retratados no artigo 57º e que já
foram previamente analisados.
Neste caso, perante a interpretação do conceito de contrainteressado, o STA foi
levado a concluir que apenas o adjudicatário – ou seja, o titular da proposta
classificada em 1º lugar e que foi objeto da decisão de adjudicação,
correspondente à entidade com quem a entidade adjudicante irá celebrar o
contrato – deve ser qualificado como contrainteressado, exatamente porque só
este “tem um interesse convergente com o interesse da entidade demandada”. Esta
posição encontra respaldo na doutrina, nomeadamente através do Professor Vieira
Andrade que vem justificar que apenas o adjudicatário teria, por um lado,
interesse em manter a Ordem Jurídica intocada, isto é, só ele teria um
interesse pessoal e direto em que não se desse provimento à ação e, por outro
lado, só ele seria prejudicado na eventualidade de procedência da ação
interposta pelo autor, exatamente porque veria frustrada a adjudicação da obra.
Em sentido inverso,
as remanescentes propostas e, neste âmbito, inclui-se a posição de C,
que intentou o recurso de revisão da sentença, alegando ser parte
contrainteressada, seriam na verdade “co-interessados” do autor, isto é teriam interesses
convergentes com esta parte (interesse em que se dê provimento ao pedido do
autor), dado que, na eventualidade da anulação da adjudicação, estas entidades
beneficiariam, potencialmente, uma vez que podiam ficar qualificadas numa
posição superior, num ulterior procedimento administrativo.
Ora, tendo esta
posição por base, importa refletir se podia C (uma das
concorrentes e com a sua proposta classificada em quarto lugar), ser entendida
como parte contrainteressada nesta ação intentada por A
(concorrente classificado em sexto lugar) contra a Câmara Municipal, ou seja,
se, contrariamente ao que foi decidido pelo STA, além do adjudicatário podem
intervir no processo como contrainteressados outras entidades que se sujeitaram
a concurso.
Para responder a
este problema, devemos denotar que o STA começa por inferir que “a questão central sub judice versa
sobre a definição de contrainteressados na ação administrativa especial de
impugnação de atos administrativos.” Efetivamente, esta afirmação é seriamente
pertinente, uma vez que interpretações diferentes ao conceito de
contrainteressado, levam a diferentes soluções, originadas, como refere o STA por
“um lapso na definição de contrainteressados,
tanto na 1.ª como na 2.ª instância”.
4.1 TAF de Mirandela.
A posição adotada pelo TAF de Mirandela,
parece admitir que todos os concorrentes, independentemente da ordem em que
tivessem ficado qualificados no concurso, poderiam ser consagrados como
contrainteressados. Esta posição amplamente abrangente é desconsiderada pelo
STA, com a justificação de que há uma confusão da noção de contrainteressado
“por excesso de zelo”. Efetivamente, nos termos do artigo 57º do CPTA, são
contrainteressados aqueles “a quem o provimento do processo impugnatório possa
diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato
impugnado”, ou seja, as pessoas interessadas em que o litígio seja resolvido a
favor da entidade autora do ato impugnado, pois são estes que têm interesses
convergentes com esta entidade, no sentido em que se houver provimento da ação
de impugnação, o contrainteressado ficará, ele próprio, numa posição
desfavorável relativamente àquela que possui.
Deste modo, o STA conclui que só existe
um concorrente que estaria nesta posição - o adjudicatário -, pois só a ele o
provimento da ação poderia prejudicar. Contrariamente, todos os outros
concorrentes têm interesses convergentes com o autor da ação de impugnação, uma
vez que se abre uma nova possibilidade de verem as suas propostas ocupar o
lugar cimeiro. Por outro lado, na vertente negativa, não se conjuga, como é que,
por exemplo, o último qualificado, pode ser prejudicado ou ter interesse
legítimo na manutenção do ato impugnado. Nestes termos, o STA conclui que “na
verdade, é que tanto o 2° como o 23° classificados, não ficam prejudicados pela
anulação do ato impugnado, nem têm interesse na manutenção do ato impugnado.”
A par destas interpretações
jurisprudenciais, a própria doutrina tem vindo a pronunciar-se sobre a
determinação do universo que consubstancia a legitimidade passiva aos
contrainteressados. Neste sentido e, de certo modo enquadrando-se nesta
perspetiva, menos apegada ao elemento literal, é a posição do Professor Mário
Aroso de Almeida que, apesar de inferir que se deve reconhecer os
contrainteressados como aqueles a quem é possível de identificar à partida como
titulares de interesses presumivelmente contrários aos do autor
circunscrevendo-se, deste modo, a quem seja titular de verdadeiras situações
subjetivas cuja a procedência da ação possa pôr em causa, o Professor acaba por
mencionar que, apesar do elemento literal, “cumpre advertir para o facto de
que, na prática, o universo dos contrainteressados é mais amplo, estendendo-se
a todos aqueles que, por terem visto ou poderem ver a respetiva situação
jurídica definida pelo ato administrativo, têm direito de não ser deixados à
margem do processo em que se discute a questão em subsistência ou da introdução
na ordem jurídica do ato que lhes diz respeito”, pelo que, daqui, não decorre
necessariamente um interesse contraposto ao do autor na ação.
Aliás, o Professor referindo-se a um exemplo semelhante
ao que resulta da situação do caso em apreço, refere que “todos devem figurar
como contrainteressados, pois é a questão da subsistência da respetiva
graduação no concurso que está em discussão”, acabando por concluir que “(…)
por isso não deixam de ser contrainteressados, num sentido mais amplo do que
aquele que decorre do teor literal do artigo 57º, que assenta na titularidade
de interesses possivelmente ou potencialmente contrapostos aos do autor, porque
fundados em situações jurídicas subjetivas que serão afetadas pela eventual
procedência da ação”.
4.2. TCA Norte.
A segunda orientação, seguida pelo TCA
Norte, acaba por ser menos abrangente que a posição sufragada pelo TAF de
Mirandela, mas, ainda assim, mais ampla do que a posição que é seguida pelo
STA, pelo que podemos considerar que se trata de uma posição intermédia. Em
moldes gerais, a jurisprudência que resulta do TCA Norte acaba por considerar
que os contrainteressados são, não todos os concorrentes (por oposição ao TAF
Mirandela), mas somente aqueles que ficaram classificados em posição superior
ao Autor, isto é, à entidade impugnante do ato.
Em termos práticos e remetendo para o
caso concreto: dado que o Autor (A) da ação de impugnação acabou
por ter a sua proposta classificada em 6º lugar, qualquer candidato que tivesse
a sua proposta melhor qualificada, e, aqui, incluía-se a posição de C
(que ficou em 4º lugar) tinha de ser considerado contrainteressado. Ou seja, as
5 propostas classificadas à frente do Autor, tinham de ser citadas no processo,
uma vez que têm legitimidade processual de contrainteressado. A justificação
quanto a este entendimento é bifurcada: por um lado entende-se que os concorrentes colocados em posição inferior
ao impugnante no procedimento, acabam por ter um interesse idêntico ou paralelo
ao do impugnante e não oposto, uma vez que sendo só um o candidato que se vai
tornar titular da relação jurídica contratual, aquelas propostas que ficaram
graduadas após a do impugnante (sendo que a própria posição deste não lhe
permite celebrar o contrato), não ficam em pior posição se o ato for anulado,
pois, mesmo que fosse, nunca veriam a sua proposta ocupar a posição cimeira, a
não ser que o ato fosse anulado na totalidade. De qualquer modo, como
determinou o TCA Norte “a discussão centrar-se-á, em exclusivo, no mérito
relativo das propostas posicionadas acima da proposta do impugnante”, exatamente porque são estes que podem vir a ser
preteridos em detrimento do autor na sequência da sentença, porque, por
exemplo, nos termos do artigo 86º, nº4, do CPP, em caso
de caducidade, existe o consequente dever de adjudicar a proposta do
concorrente posicionado em segundo lugar. Neste sentido, é possível defender que aqueles que
ficaram colocados à frente do Autor, têm um interesse legítimo na manutenção do
ato impugnado e, portanto, podem ser considerados como contrainteressados, que
é a posição que já asseguraram no concurso e uma eventual requalificação podia
ser, nestes termos, prejudicial para os mesmos.
O Professor Paulo
Otero, quanto ao problema da determinação dos contrainteressados perante a
impugnação contenciosa de um ato administrativo praticado na sequência de um
procedimento concursal que envolva uma lista hierarquizada, refere que a
solução se encontra na base da aplicação de três critérios: primeiramente,
“todos os candidatos para quem o ato recorrido assume a natureza de ato
constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos têm de se
considerar contrainteressados perante a impugnação contenciosa do ato que é
fonte de uma tal situação jurídica subjetiva de vantagem”. Depois, um outro
critério relacionado com a “alteração do escalonamento hierárquico ou da
posição relativa dos diversos candidatos” que possa resultar da eventual
sentença, referindo o Professor que se deve considerar diretamente atingido “ o
candidato cuja posição na lista classificativa seja tal que a anulação do ato
que a homologa, desencadeando nova graduação, possa resultar na atribuição de
uma posição inferior à que inicialmente detinha com relação ao recorrente”, pelo
que daqui se extrai que só aqueles que ocupam um lugar superior ao recorrente
na lista classificativa devem ser chamados ao processo como contrainteressados,
posição que é coincidente com o TCA Norte. Por fim, refere-se a um critério nos
termos do qual “desde que o recorrente tenha na sua petição configurado a lide
em termos de envolver todos os concorrentes ou candidatos em tal procedimento,
deve entender-se que todos eles devem ser chamados ao processo como
contrainteressados”.
4.3. Supremo Tribunal Administrativo
Finalmente, a posição que se encontra no
extremo oposto, por ser a mais restritiva, é a posição que é adotada pelo STA e
que acaba por considerar que apenas o adjudicatário pode ser considerado
contrainteressado. Para tal, o douto Tribunal recorre a uma noção de contrainteressado
construída não a partir do eventual interesse que alguém pudesse ter em ser
parte na ação, mas a partir do prejuízo que ele terá se não for chamado a juízo, o qual estará
sempre relacionado com a manutenção ou anulação do ato impugnado que, de certo
modo, acaba por coincidir com a interpretação mais literal dos vários preceitos
legais já enunciados (Artigo 10º, nº1, Artigo 57º e Artigo 68º, nº2).
De facto, como foi justificado anteriormente,
relativamente à posição do TAF de Mirandela, a posição do STA é díspar, no
sentido em que se afirma que as restantes propostas, independentemente do grau
de classificação, não podem consubstanciar a posição de contrainteressado.
Efetivamente, aplicando a parte final do artigo 10º, nº1 conjugada com o artigo
57º, sem ser o adjudicatário que é quem tem um interesse, além de oposto ao do
autor, convergente com a Administração, mais nenhum concorrente o tem. Muito
pelo contrário, o interesse dos restantes concorrentes seria também o da
anulação do ato para que, eventualmente, ainda pudesse alimentar expectativas
na futura adjudicação a seu favor.
Após analisar estas diferentes posições jurisprudenciais, bem como da
própria doutrina, é possível conceber, a priori, a dificuldade do
enquadramento prático desta figura dos contrainteressados que fica dependente
da própria interpretação que se faça dos conceitos legais que a configuram. Não
obstante, numa nota pessoal e direcionada para o caso abordado, isto é, a
impugnação contenciosa de um ato administrativo praticado na sequência de um
procedimento concursal, tendo a situar-me na posição intermédia, como defendida
pelo TCA Norte.
Isto porque, quanto à primeira solução de resolução que consiste em
atribuir a todos os concorrentes a posição de contrainteressado, esta não
parece de colher. Efetivamente, é difícil de conceber que à exceção da
adjudicatária, qualquer outro concorrente seja direta ou indiretamente
prejudicado pela procedência da ação impugnatória. Muito pelo contrário, a
procedência da anulação do ato adjudicatório e a abertura de um novo,
possibilitará a todos os concorrentes ficarem classificados na posição cimeira,
e, portanto, eventualmente vencer o concurso. De facto, o contrainteressado não
deduz nenhum pedido, defende a posição do réu, pois os seus interesses são
iguais, pelo menos convergentes no sentido do processo, pelo que não pode figurar
nesta posição, nenhum dos remanescentes concorrentes. Ou seja, estando a
qualidade de contrainteressado intimamente relacionada ao prejuízo que pode
advir da procedência da ação impugnatória, para aqueles que, de algum modo,
tiveram conexão com a relação material controvertida e que só podem beneficiar
da anulação do ato impugnado, leva-me, forçosamente, a concluir que não podem,
neste caso, ser considerados contrainteressados.
Quanto à
posição que é seguida pelo TCA Norte, por sua vez, pode argumentar-se, nos
termos do artigo 86º, nº4 CCP que, em caso de caducidade da adjudicação, existe o consequente dever de adjudicar a proposta do
concorrente posicionado em segundo lugar, pelo que seria um argumento favorável
e determinante, para se afirmar que as entidades com propostas classificadas à
frente das do Autor poderiam ser concebidas como contrainteressados, dado que o
provimento da impugnação do ato retirar-lhes-ia uma posição assegurada e um
novo concurso podia prejudicar a sua posição na classificação. Além disso, se
atendermos ao Artigo 103º, nº1 - A do CPTA, que refere que “as ações de
contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação de atos de
adjudicação (…) fazem suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou
a execução do contrato”. Isto vai significar que a posição que foi adquirida
pelas propostas, mesmo aquelas classificadas à frente do Autor, vão ser
reclassificadas, pelo que o argumento que as partes classificadas à frente do
Autor têm um interesse que é a reserva de um lugar que já obtiveram, ganha
novamente premência, dado que num novo concurso podem ficar classificados numa
posição pior do aquela que já tinham assegurado, de facto, só o concorrente
classificado em último lugar, não pode descer mais na tabela classificativa.
Tiago Alexandre dos Santos Andrade Caleça
[1] Pág 286 - O contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise.
Bibliografia:
O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise | PEREIRA DA SILVA, Vasco.
Manual de Processo Administrativo | AROSO ALMEIDA, Mário.
Justiça Administrativa | Prof. Vieira Andrade.
Os contrainteressados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal | OTERO, Paulo.
O estudo processual dos contrainteressados nas ações impugnatórias e de condenação à prática de ato administrativo | PAES MARQUES, Francisco
Acórdão Supremo Tribunal Administrativo | http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/44a075e8a3768b4080257eff0054ecb3?OpenDocument&ExpandSection=1
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