Os contrainteressados
Diz-nos
o artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) que
cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material
controvertida e, quando for caso disso, contra
pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
Diz-nos também o artigo 57.º do mesmo Código
que “para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o
provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham
legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser
identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos
no processo administrativo.”
Por
outro lado, no âmbito de ações administrativas de condenação à prática do ato
devido, encontramos o disposto no artigo 68.º, n. º2, que prevê uma disposição
idêntica à anterior, mas, naturalmente, adaptada à natureza da ação em causa.
Esta
figura jurídica – a do contrainteressado – justifica-se pelas implicações
lesivas que pode ter a invalidação ou a anulação de um ato administrativo em
terceiros, e pela certeza e segurança visadas pela ordem jurídica. [1]
Foi
necessária uma alteração da visão tradicional da ação, da sua estrutura
bilateral. Afinal, grande parte das relações jurídicas são atos multilaterais:
tradicionalmente, encontramos de um lado a Administração Pública e do outro
lado, os Particulares, não obstante muitas das atuações da primeira referida se
repercutem não só na esfera do autor da ação, mas também nas de outras pessoas,
que podem, ou não, ver os seus direitos subjetivos afetados.
FRANCISCO
PAES MARQUES refere que “todos os sujeitos da relação jurídica administrativa
multipolar material, desde que sejam titulares de direitos subjetivos públicos
em face do objeto do litígio, devem também ser, correspetivamente, partes
processuais, com estatuto equivalente, na relação jurídico-processual.”[2]
Refere-se então à figura dos contrainteressados.
É
de notar que não se pode reconduzir a figura dos contrainteressados à do
assistente. Os contrainteressados são “detentores de direitos subjetivos que se
conexionam diretamente com o objeto do litigio, pelo que a sua participação
processual será sempre obrigatória.”[3] Como afirma FRANCISCO PAES MARQUES “a figura
do contrainteressado não se pode assimilar à figura do assistente no processo
civil, pois aquele deve ter o poder de influir autonomamente no objeto do
processo, não valendo a limitação de serem auxiliares de uma das partes ou
estarem subordinados à parte principal (art. 328º, nº1 e 2 CPC).”
Os
contrainteressados devem ser demandados obrigatoriamente, nos termos legalmente
estabelecidos. Para a sua apuração é necessária a realização de um juízo de
prognose. Este deve ser primeiro formulado pelo autor, posteriormente pelo
Ministério Público e depois pelo juiz. Deve ser formulado a partir do conteúdo
do ato impugnado e da inerente projeção subjetiva dos seus efeitos fazendo-se
uma estimativa de como uma eventual decisão judicial de anulação desse ato atingirá
diretamente posições jurídicas subjetivas de terceiros.
A
nossa ordem jurídica, no seu artigo 10.º/1 CPTA consagra os contrainteressados
como partes necessárias, formando com a Administração um litisconsórcio
necessário ativo.
Em
relação ao litisconsórcio necessário ativo: MARIO AROSO DE ALMEIDA considera
que este existe, visto que os artigos 57º e 68º, n. º2 CPTA são “domínios em
que a ação é proposta contra a entidade que praticou ou que omitiu ou recusou o
ato administrativo, mas em que há sujeitos privados envolvidos no litígio, na
medida em que os seus interesses coincidem com os da Administração ou, pelo
menos, podem ser diretamente afetados na sua consistência jurídica com a
procedência da ação.” [4]
Assim, a falta deles é geradora de ilegitimidade passiva.
Perguntamo-nos
se o contrainteressado poderá recorrer do instituto da reconvenção presente no
artigo 83.º-A CPTA. A reconvenção é uma ação autónoma do réu contra o autor,
que amplia o objeto da ação já em juízo, mantendo com ela uma relação de
conexão. A ser possível o contrainteressado deduzir uma reconvenção, este é
colocado numa paridade com o autor. Entendemos que esta deve ser admitida em
nome do principio da tutela jurisdicional efetiva do contrainteressado (artigo
20.º e artigo 268º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, CRP, e do
artigo 2.º CPTA) e da igualdade em face dos outros sujeitos processuais em
cumprimento do artigo 6.º CPTA. Note-se, porém, que estes apenas podem deduzir
um pedido reconvencional desde que seja um pedido processual, dirigido a
entidade demandada, que não modifique substancialmente o objeto do processo e
seja realizado no prazo da contestação, caso contrário estaria a modificar
substancialmente o objeto do processo e a extravasar o poder reconhecido ao
autor.
Hélia Costa
Número de aluno: 58359
[1] Acórdão do Tribunal Central
Administrativo Norte, proc. 02424/07.3BEPRT-A de 25-01-2013
[2] PAES MARQUES, Francisco. “O
estatuto processual dos contrainteressados nas ações impugnatórias e de
condenação à prática de ato administrativo”
[3] PAES MARQUES, Francisco. “O estatuto processual dos
contrainteressados nas ações impugnatórias e de condenação à prática de ato
administrativo”
[4] AROSO ALMEIDA, Mário. Manual de Processo Administrativo.
Almedina. 2016.
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