Ação Popular
Ação Popular
I.
Introdução
Iniciaremos este trabalho com uma breve definição seguida de uma
curta abordagem histórica da figura em análise – a Ação Popular – e, por fim,
abordaremos de maneira geral as várias questões que a figura em causa levanta,
tendo em conta a Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), a Lei
83/95, de 31 de Agosto, o Código do Procedimento Administrativo (doravante,
“CPA”) e o Código do Processo nos
Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”).
II.
Definição
A Ação Popular define-se como uma ação judicial que permite a um grupo de
pessoas não individualizáveis pela titularidade de qualquer interesse pessoal,
ter acesso à justiça para tutelar situações jurídicas materiais que são
insuscetíveis de apropriação individual. Em suma, é um tipo ação judicial que possibilita
que um grupo de indivíduos de certa comunidade proponha uma ação que pertence a
todos os membros dessa comunidade não podendo, contudo, ser apropriado por
nenhum deles em termos individuais. Apresentando-se assim o autor popular como
defensor do interesse geral da coletividade ou comunidade.
III.
Enquadramento Histórico
O Direito à Ação Popular tem a sua base no Direito Romano. Em
Portugal esta figura foi consagrada pela primeira vez nas Ordenações do Reino,
sendo mais tarde plasmada na Carta Constitucional de 1826, que se referia
expressamente à Ação Popular no seu artigo 124º. Posteriormente em 1842 a
legislação administrativa passa a prever, no Código Administrativo, a figura da
Ação Popular de natureza supletiva
que permitia suprir as faltas dos órgãos públicos locais na defesa de bens e
direitos da administração; A constituição de 1976 reconhece finalmente a ação
popular como um direito fundamental, integrando-a no âmbito dos direitos,
liberdades e garantias; Finalmente com a Lei nº 83/95 de 31 de Agosto foram definidos os casos e os termos em que são
conferidos e podem ser exercidos o direito de ação popular, regulando-se, desta
forma o procedimento desta ação.
IV.
Ação Popular
a.
Legitimidade Ativa
O artigo 9º/1 do CPTA estatui
que é parte legítima na ação o Autor que alegue ser parte na relação material
controvertida. Porém, o nº2 prevê, segundo o Professor Mário Aroso de Almeida,
um alargamento da legitimidade processual ativa a quem não alegue ser parte em
determinada relação controvertida que pretenda interpor em juízo. Deste modo,
permite-se a qualquer pessoa no gozo dos seus direitos civis e políticos,
associações ou fundações, autarquias locais([1])
e Ministério Público, que participem em ações principais ou cautelares nas
quais não têm interesse pessoal, sempre que esteja em causa a defesa de valores
constitucionalmente protegidos, e bens do Estado, das Regiões Autónomas e das
autarquias locais, bem como que promovam a execução das correspondentes
decisões jurisdicionais.
Assim, entende-se que este
artigo. 9º, nº2 CPTA tem um duplo alcance: 1) o de dar expressão no âmbito do
contencioso administrativo ao direito fundamental de participação política,
direito constitucionalmente protegido pelo art. 52º, nº3 CRP; tendo o auxílio
da Lei nº. 83/95 de 31/8, para onde remete de forma a estipular os termos do
seu exercício; 2) atribuir ao Ministério Público e às autarquias locais um
poder para também elas terem legitimidade para intentar ações de defesa de tais
bens constitucionalmente protegidos.
b.
Desenvolvimento
Da leitura do artigo 52º/3 da
CRP retira-se que a ação popular não é configura um meio processual excecional,
sendo considerada como "ação principal e instrumento de defesa
preferencial relativamente a outros meios processuais" (CRP anotada),
expressando assim um verdadeiro direito fundamental.
Tal enquadramento é
demonstrado pelas vantagens claras na utilização deste tipo de ação já que, há
um regime geral de custas para certas ações, podendo haver mesmo a sua isenção do
seu pagamento (art. 20ª da LAP). A ampla intervenção do juiz e a eficácia do
caso julgado são duas outras demonstrações destas vantagens. De acordo com a
última, caso julgado, valerá o princípio da eficácia erga omnes das
decisões transitadas em julgado, exceto quando as ações sejam julgadas
improcedentes por falta de prova ou quando o julgador deva atender às
circunstâncias do caso concreto.
Uma outra vantagem é o facto
de neste tipo de ação haver uma inversão da lógica de representação em juízo
uma vez que o autor popular em juízo representa automaticamente, isto é, sem
necessidade de mandato, todos os titulares de interesses ou direitos idênticos
aos que ele pretende fazer valer em juízo. A única exceção a esta regra será a
autoexclusão (art. 14º da LAP).
Questão diferente é a que impõe ao legislador a implementação do modelo
constitucional de ação popular quer a nível civil, administrativo ou criminal,
sob pena de se verificar uma inconstitucionalidade por omissão. Há sobre o assunto,
aliás, uma discussão doutrinária, senão vejamos: segundo os professores Gomes
Canotilho e Vital Moreira não poderá o legislador criar uma ação popular constitucional;
por sua vez o professor Paulo Otero discorda utilizando como argumento o
princípio da máxima efetividade que se deve conferir aos direitos fundamentais
e ainda o argumento de que o artigo 52º/3 da CRP ao remeter para a lei os casos
e termos da configuração da ação popular, abre, como tal uma possibilidade para
a criação por lei de uma ação popular de constitucionalidade.
Uma outra discussão doutrinária que é importante salientar é a que gira à volta
de saber se a ação popular é ou não uma forma de processo. Mais uma vez as
opiniões divergem. Mário Aroso de Almeida defende que não, apontando como
argumento o facto de as pessoas e as entidades que são referidas no artigo 9º/2
do CPTA disporem de legitimidade para recorrer a pretensões diversas que
correspondem à ação administrativa comum ou especial vindo a tramitação da LAP
introduzir apenas um conjunto de especialidades ao modelo normal de tramitação,
não tendo, contudo, autonomia para se considerar uma forma independente de
processo. Já Vieira de Andrade por seu lado parece incluir a ação popular nas
formas de processo principais, dizendo, contudo, que o CPTA parece não
qualificar as ações populares como tipos especiais de ações e designa estas
como espécies qualificadas relativas a vários tipos de ações.
Em traços gerais a Ação Popular
é um tipo de ação judicial que difere das restantes pelo seu critério de
legitimidade para ser proposta, que é bastante alargado. Neste sentido, mais do
que subjetivamente haver um interesse próprio em defesa, objetivamente existe a
possibilidade de alguém ou de um grupo de pessoas agir em defesa de um certo
tipo de posições jurídicas materiais que pertencem a uma comunidade e que não
são suscetíveis de apropriação individual (interesses difusos), havendo uma
prossecução da defesa da legalidade e do interesse público, quase que com um
fim altruísta.
Na Constituição da República
Portuguesa este instituto encontra-se consagrado no art.52º nº3, como já referido,
e vem então completar de uma forma sistemática o disposto no art.20º e no
art.268º nº4, garantido assim uma tutela jurisdicional efetiva, através do
assegurar de procedimentos judiciais que permitem uma defesa em tempo útil das
ameaças e violações de direitos.
Da análise cuidadosa do
art.52º da CRP, retira-se que o instituto estipula uma legitimidade pessoal e
coletiva que permite lançar mão de ações populares: preventivas (prevenir
infrações contra certos interesses gerais da coletividade), anulatórias (cessar
as infrações anteriormente referidas), repressivas (perseguição judicial dos
agentes responsáveis pelas infrações), indemnizatórias (indemnizar os danos
decorrentes das infrações) e supletivas (atuar nos casos de omissão ou
negligência da Administração), de forma a proteger os seguintes bens: saúde
pública, direito dos consumidores, qualidade de vida, preservação do ambiente,
preservação do ambiente, preservação do património cultural, defesa dos bens de
entidades públicas territoriais ([2]).
Na Lei 83/95, de 31 de
Agosto, encontramos a concretização legislativa do preceito constitucional, que
veio então explicitar o uso do direito de participação procedimental e ação
popular, no âmbito administrativo e civil (art.12º), mantendo os mesmos tipos
de efeitos e bens defendidos (2), cabendo no entanto fazer algumas ressalvas
importantes, onde a Lei concretizou de forma incisiva quanto à Lei Fundamental.
Além dos cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e das associações
e fundações defensoras dos interesses já referidos (art.2º nº1), vem a Lei
conferir legitimidade também às autarquias locais para a defesa dos interesses
de que sejam titulares, na sua área de circunscrição (art.2º nº2). Dizer também
que vem definir melhor a legitimidade das associações e fundações (art.3º).
Destacar também o papel do Ministério Público, presente no art.16º que funciona
como uma salvaguarda dos interesses do Estado e dos particulares em geral, caso
haja a desistência da lide por parte do autor. Por fim, fazer referência ao
art.15º que vem permitir o direito de exclusão por parte de titulares dos
interesses em causa, se os mesmos não aceitarem serem definidos por
determinados e se excluem dessa representação, para que não fiquem sujeitos às
decisões judiciais proferidas.
No fim da pirâmide, abordamos
agora o Código do Procedimento Administrativo e o Código de Processo nos
Tribunais Administrativos.
Começando pelo primeiro (CPA),
tendo em conta o direito de participação procedimental, referir o art.68º onde
se encontra bem plasmado o que até aqui já foi referido na Constituição da
República Portuguesa e na Lei de 83/85, de 31 de Agosto, fazendo um destaque
para os bens defendidos no nº2, onde existe uma concretização mais incisiva,
indicando-se outros bens como: a saúde pública, a educação, a habitação, ambiente,
ordenamento do território, o urbanismo, a qualidade de vida o consumo de bens e
serviços e o património cultural.
Em relação ao segundo (CPTA),
especificamente quanto à ação popular em si, focamos de imediato o art.9º nº2
que remete para a Lei 83/85, de 31 de Agosto já referida, e que vem no seu
seguimento e da Constituição da República Portuguesa concretizar de forma
harmoniosa com a primeira, a forma processual administrativa deste mecanismo([3]).
De remissão para este art.9º nº2, encontramos várias disposições a conferir
esta mesma legitimidade, tais como: o art. 55º nº1 alínea f) – legitimidade
para a impugnação do ato administrativo-; o art.68º nº1 alínea f) - legitimidade para o pedido de condenação à
prática de um ato administrativo; o art.73º nº1 alínea b) – legitimidade para
pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral de norma imediatamente
operativa; o art.77º nº1 – legitimidade para pedir a condenação à emissão de atos
legislativos carentes de regulamentação; o art.77º - A nº1 alínea h) –
legitimidade para pedido de relativo à validade, total ou parcial, de
contratos.
V.
Conclusão
Podemos assim concluir que a
LAP transformou a ação popular de simples mecanismo de controlo da
administração em instrumento de tutela jurisdicional de certos interesses
comuns da coletividade.
Cumpre, contudo, dizer que a
ação popular é um mecanismo de participação dos administrados no controle da
legalidade da atuação da administração e ainda demonstra a participação do
cidadão na condução política do Estado. Neste sentido segue o professor Vasco
Pereira da Silva quando refere esta ação como inseparável da tutela dos
interesses difusos e posteriormente se refere a estes interesses como modo de
defesa da legalidade e do interesse público.
Assim, dúvidas não restam a
Ação Popular configura um instituto de democracia direta, um direito cívico e politico
fundamental incluído no elenco de direitos, liberdades e garantias do artigo
52º da CRP corresponde à máxima liberal de que "o poder emana do
povo".
VI.
Bibliografia
- - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensino Sobre as Ações no Novo Processo Administrativo, 2ª Edição, Almedina, Vasco Pereira da Silva
- - Manual de Processo Administrativo, 3ª Edição,
Almedina, Mário Aroso de Almeida
- - A Justiça Administrativa, 17ª Edição, Almedina,
José Carlos Vieira de Andrade
- - CRP anotada, 3ª edição, Coimbra, Gomes
Canotilho e Vital Moreira
Margarida Bello Dias, nº
58214
[1]
Artigo 2º da Lei nº 83/95 de
31 de Agosto.
[2] Idem
n.º 2 do artigo 1º da Lei
83/95 de 31 de Agosto: “Sem prejuízo do disposto no número anterior, são
designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o
ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o
património cultural e o domínio público.”
[3]
Procedimentos cautelares e ações principais.
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